Após a sua absolvição e a restauração de seus direitos, a ativista voltou a ocupar o cargo na Câmara Legislativa do DF.
Após 10 anos enfrentando um processo longo e doloroso de reconhecimento da sua inocência, Maria Almeida, conhecida como Zezé do MTST, está definitivamente livre de qualquer pendência judicial. Ela retomou suas atividades como assessora parlamentar na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) no último mês e garante que a sua trajetória ganha agora mais força para continuar lutando pelo direito à moradia e por justiça social aqueles que mais precisam. “Voltar ao trabalho, de onde fui exonerada no dia em que fui presa, é reconquistar com honra um espaço que conquistei com luta”, afirma Almeida.
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Nascida no território quilombola de Monte Cristo, no Maranhão, e residente em Brasília há 26 anos, Zezé teve a inocência comprovada em 10 de março de 2025, quando a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território (TJDFT) revogou a sentença do seu processo devido à ausência de provas e depoimentos conflitantes.
Em 2014, Zezé foi acusada de extorsão e ameaça no condomínio Nova Planaltina, DF. A acusação afirmava que ela teria exigido pagamentos de beneficiários do Auxílio Vulnerabilidade Excepcional. Segundo ela, as denúncias vieram como retaliação ao seu trabalho no território. “As denúncias vieram de pessoas contrárias à luta legal por moradia, garantida pela Constituição. Eram indivíduos que chegaram na ocupação com o interesse de tomar o território, vender lotes, envolver-se com tráfico, agredir mulheres. Eu, como mulher preta, junto com outras companheiras, sempre combati qualquer tipo de violência nas ocupações – seja contra mulher, criança, idoso, ou o uso de entorpecentes. Essas pessoas não aceitavam ouvir uma mulher falando”, ressaltou. A ativista foi presa em 3 de junho de 2024, após um mandado expedido pela Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território (TJDF), na frente do filho, pela Polícia Civil do DF em Planaltina. “Quando me dei conta, fui surpreendida com a Polícia Civil batendo na minha porta, com um mandado de prisão para mim”, diz Zezé.
A prisão provocou mobilização: mais de 50 organizações e parlamentares como Fábio Felix (Psol-DF) e Erika Kokay (PT-DF) denunciaram a criminalização da militância. Em 7 de junho de 2024, manifestações públicas reuniram movimentos sociais na Praça Zumbi dos Palmares, em Brasília, sob o lema “Lutar não é crime”.
Reconhece a grande gratidão aos movimentos sociais, partidos, grupos culturais, trabalhadores e trabalhadoras que se mobilizaram.
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Em 10 de março de 2025, a Câmara Criminal do TJDFT decidiu invalidar a condenação de Zezé, reconhecendo falhas na instrução processual, notadamente a ausência de provas, além de depoimentos testemunhais frágeis e contraditórios. A decisão anulou toda a condenação, restabelecendo sua liberdade e inocência.
A ativista do MST esteve presa preventivamente por mais de 500 dias em 2024. “Esse período deixou marcas irreparáveis. Um dia sequer que eu tenha sido levada ao cárcere, com uma condenação de criminosa, de bandida, não se apaga. O Judiciário reparou o erro processual, mas o dano causado na minha mente, na do meu filho e na da minha família é irreparável. Porém, isso não vai me parar. Eu vou transformar essa dor em luta — e em lutas com vitória”, ressalta a militante.
Na última etapa do seu processo de retomada de seus direitos, no último dia 10 de junho, a Justiça regularizou todas as suas certidões negativas, dando a possibilidade de Zezé retomar as suas atividades. Em 29 de junho, ela foi empossada novamente na Câmara legislativa do DF, retomando o seu cargo de assessora parlamentar do distrital Fabio Felix (PSol-DF). “Voltar ao trabalho, de onde fui exonerada no dia em que fui presa, é reconquistar com honra um espaço que conquistei com luta. Não foi troca política, foi conquista legítima”, afirma Zezé.
A criminalização dos movimentos sociais no Brasil tem se intensificado, principalmente na luta por moradia, afetando desproporcionalmente mulheres negras (67,3%), e sendo marcada por perseguições policiais e acusações sem provas. O relatório do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) mapeou 55 casos de ativistas entre 2021 e 2023 em São Paulo. No Distrito Federal, o cenário segue essa lógica: desde 2015, dezenas de lideranças enfrentam processos, prisões e projetos de lei que buscam punir quem ocupa terra por necessidade. A repressão institucional tem sido utilizada para silenciar a organização popular e restringir o espaço democrático. Diante deste cenário de criminalização, Zezé afirma que é preciso mudar o Judiciário, as instituições e até as próprias organizações sociais. “Às vezes, há infiltrações que atuam para destruir por dentro, o núcleo da organização”.
O Poder Judiciário necessita compreender que a posse e a luta não constituem crime. O direito à terra e ao território é legítimo e de longa data. Os quilombos do passado são as periferias contemporâneas. O deslocamento forçado de populações negras e pobres persiste.
A experiência de Zezé no sistema prisional intensificou seu desejo de lutar pelos direitos dos vulneráveis e que almeja trabalhar na melhoria da qualidade de vida de mulheres encarceradas.
Ela argumenta que o sistema prisional brasileiro não visa a ressocialização, mas sim a punição, a tortura, principalmente contra mulheres pobres, negras e das periferias.
A ativista ressaltou o descaso institucional, a superlotação e a falta de atenção à saúde e à dignidade das presas: “Não há direito à alimentação básica, à água potável, à saúde. Eu vi isso tudo sendo negado. Lá dentro, a gente vira número. A mulher perde até o nome, perde o direito ao seu corpo, perde tudo”.
Zezé deixa a prisão, mas não abandona o que presenciou e experimentou: tem a intenção de continuar as denúncias sobre as violações no sistema prisional do Distrito Federal, em especial contra mulheres em situação de vulnerabilidade.
Busco, atualmente, que aqueles que me sucederem não precisem ser presos para comprovar sua inocência, que sua luta seja justa e legítima.
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Fonte por: Brasil de Fato
Autor(a):
Ex-jogador de futebol profissional, Pedro Santana trocou os campos pela redação. Hoje, ele escreve análises detalhadas e bastidores de esportes, com um olhar único de quem já viveu o outro lado. Seus textos envolvem os leitores e criam discussões apaixonadas entre fãs.