Virada à direita na Bolívia é ‘trágica para o povo e prejudicial para a região’, diz Ana Prestes
Ana Prestes afirma que a vitória de Rodrigo Paz marca o fim do ciclo progressista iniciado por Morales e prejudica a integração latino-americana.
Fim de um Ciclo Histórico na Bolívia
A eleição de Rodrigo Paz para a presidência da Bolívia representa “o fim de um ciclo histórico” e é considerada “um momento trágico” para o país, segundo a cientista política e analista internacional Ana Prestes, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. O pleito ocorreu no domingo (19), após um segundo turno inédito, encerrando quase 20 anos de governos do Movimento ao Socialismo (MAS) e trazendo a direita de volta ao poder em meio a uma grave crise econômica.
Crise e Fragmentação do Campo Progressista
De acordo com Ana Prestes, a crise atual e a derrota do MAS são resultado de “uma implosão interna”, com divisões entre lideranças do campo progressista. “Evo [impedido pela Justiça de concorrer] defendeu o voto nulo, enquanto Andrónico [Rodríguez, ex-presidente do Senado] ficou isolado. Assim, é o fim de um ciclo de forma dramática e trágica”, enfatizou.
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A cientista política também relaciona o resultado eleitoral à deterioração econômica do país. “O governo [do então presidente Luis] Arce não conseguiu garantir estabilidade e crescimento para a economia boliviana após a pandemia. Situações econômicas adversas geram insatisfação, impactando fortemente o processo eleitoral”, afirmou.
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Impacto na Integração Regional
Para Ana Prestes, a derrota da esquerda na Bolívia agrava a fragilidade da integração latino-americana. “Com essa derrota do campo popular, a Bolívia complica o processo de integração, que já é sabotado pela Argentina de [Javier] Milei e pelo Paraguai. O presidente Lula está ficando sem parceiros para retomar a integração sul-americana, o que é extremamente grave”, apontou.
Ela acredita que a América do Sul enfrenta um momento de enfraquecimento estratégico. “Precisamos estar fortes e integrados para lidar com a multipolarização mundial e não ficarmos reféns das guerras militares e comerciais em curso”, alertou, mencionando a cobiça dos EUA por “terras raras” e as ameaças à Venezuela e à Colômbia.
Neoliberalismo e Aliança com os EUA
Durante a campanha, Rodrigo Paz defendeu o que chamou de “capitalismo para todos”, uma promessa que, segundo Ana Prestes, é contraditória. “Sabemos que não: a essência do capitalismo é que ele não é para todos. A proposta de Paz é neoliberal, com redução do Estado e entrega de recursos à iniciativa privada”, criticou.
A analista classifica o novo presidente como representante de um projeto liberal alinhado aos Estados Unidos. “Ele vem de uma tradição neoliberal, com uma aliança com os EUA, semelhante a [Nayib] Bukele e [Daniel] Noboa, em um momento em que [Donald] Trump pode voltar à Casa Branca”, disse.
Consequências da Virada Política
A comparação entre o novo presidente boliviano e os presidentes de El Salvador e do Equador ilustra uma nova direita latino-americana que mistura uma agenda neoliberal com a proximidade dos EUA, promovendo discursos de eficiência e ordem, mas enfraquecendo políticas sociais e a soberania nacional.
A analista alerta que essa mudança política pode aumentar a vulnerabilidade da Bolívia e da região na disputa global por recursos estratégicos. “A Bolívia é rica em petróleo, gás e lítio, o ouro do século 21. O golpe de 2019 está ligado à cobiça pelo lítio boliviano”, recordou.
O MAS foi deposto em 2019 após um golpe de Estado que forçou a renúncia de Evo Morales, resultando em um governo interino de Jeanine Áñez, marcado por repressão e violações de direitos humanos. Um ano depois, o partido retornou ao poder com a eleição de Luis Arce.
Autor(a):
Marcos Oliveira
Marcos Oliveira é um veterano na cobertura política, com mais de 15 anos de atuação em veículos renomados. Formado pela Universidade de Brasília, ele se especializou em análise política e jornalismo investigativo. Marcos é reconhecido por suas reportagens incisivas e comprometidas com a verdade.