Trump transformou a diplomacia em ato de roubo
Suas ações visam restabelecer uma ordem internacional com a retomada da relação entre colonizadores e colonizados.

Os mais velhos afirmavam que, ao erguermos um mastro no chão para realizar nossos rituais, ele indicava o ponto central do universo. Ailton Krenak
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Prefiro o conceito de multicêntrico ao de multipolar, por considerar que ele se aproxima mais do ideal: um mundo com múltiplos centros e os polos restritos ao Sul e ao Norte.
Dito isto, toda a agressão de Donald Trump aos demais países resume-se a neocolonialismo e a pilhagem que implica. A defesa do genocida Bolsonaro e da família de criminosos amestrados é exclusivamente uma cortina de fumaça para reduzir o Brasil novamente à condição de colônia, a fim de se apropriarem de nossas riquezas – como foi feito no Panamá, em Gaza, na Ucrânia e na República Democrática do Congo.
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Trump transformou a diplomacia em roubo, sobretudo de riquezas minerais. Todas as suas ações são determinadas pelo aproveitamento, seja externamente ou internamente. Em Gaza, a apropriação das terras palestinas; no Líbano, do gás (nestes casos, o acaparamento ocorre por meio de guerras de procura, financiando e armando Israel); no Panamá, retomando virtualmente o Canal; na Ucrânia, reivindicando minérios em troca de armamento, obtendo lucros duplos; no Congo, removendo as tropas de Ruanda do território congolês em troca de um terço das maiores jazidas minerais do mundo, incluindo terras raras, como o cobalto.
No Brasil, a intenção é atacar os BRICS também por meio da busca por descredibilidade — essa é uma característica marcante. A China e a África do Sul deixaram isso evidente nas recentes declarações de seus presidentes.
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Ademais, o ditador almeja legitimar a anistia oferecida aos golpistas ali, por meio de uma ação análoga à que ocorreu no Brasil em 8 de janeiro de 2023. Ele também busca desmantelar nossa democracia, através do controle do Poder Judiciário, da mesma forma que fez em seu país, ao garantir impunidade ao Supremo Tribunal para qualquer ato ilícito praticado durante a presidência.
É importante ressaltar que ele também silenciou o Congresso americano, ao bombardear o Irã sem prévia autorização e sem ser posteriormente aprovado pela Câmara ou pelo Senado.
Ademais: pelo estabelecimento de tarifas de 50%, visa proteger as grandes empresas para que também permaneçam impunes, cometendo todo tipo de crimes, inclusive eleitorais, com o que as democracias estariam mortas e soterradas. Internamente, recompensa os cúmplices, como as empresas que detêm concessões de prisões, permitindo que imigrantes encarcelados trabalhem em regime de servidão, recebendo um dólar simbólico por hora para que não se configure formalmente como servidão moderna.
Por fim, suas ações visam fortalecer a extrema-direita global, com o objetivo de restabelecer uma ordem internacional em que existam apenas colonizadores e colonizados, sendo estes últimos entregando todas as suas riquezas e recebendo em troca apenas exploração física, mental e cultural.
O Brasil também precisa se questionar sobre o assunto. Em primeiro lugar: a embaixada em Washington não suspeitava nada? Como é sabido, a função de uma missão diplomática é evitar que sua capital seja pega de surpresa, como aparentemente ocorreu. Cabe ressaltar que a embaixadora conta com três ministros-conselheiros assessorando-a diretamente, além de uma expressiva quantidade de diplomatas (a maior de todas as embaixadas brasileiras), cuja função principal deveria ser informar o Itamaraty sobre possíveis cenários.
Caso não tenha ocorrido, fica pendente de avaliação para que sejam realizados os necessários e urgentes aprimoramentos.
Ademais, compete à secretaria esclarecer ao governador de São Paulo – responsável pelo tarifário – que apoiou de forma irresponsável as manifestações públicas do ex-presidente Bolsonaro – que não lhe compete subsidiar aquela embaixada, mas sim ao Itamaraty, pois é este que instrui a referida missão, mera repartição do Ministério das Relações Exteriores. Seria de presumir que um governador saberia disso, mas o óbvio, como já dizia Nelson Rodrigues, tem muitos inimigos, principalmente entre a extrema-direita brasileira.
Seria pertinente que o MRE incluísse ao grupo negociador exclusivamente em matéria tarifária, considerando que, em uma democracia, não há interferência entre poderes – uma representação de trabalhadores e trabalhadoras (no entendimento de que já foram convidadas empresárias e empresários), instando a contraparte estadunidense a também o fazer. Por fim, os prejuízos gerados pela arbitrariedade autoritária não deveriam recair sobre cidadãos e cidadãs estadunidenses, que seriam, naquele país, os mais prejudicados pela inflação resultante.
É importante ressaltar que, caso o governo brasileiro tivesse cumprido seu papel e criado anteriormente o Conselho de Política Externa, todas as negociações poderiam obter maior legitimidade, de maneira sólida e duradoura.
O desafio é não permitir que o debate se degrade. Por vezes, privilegia-se mais os bônus do que as próprias ideias.
Não permitamos que essa disputa embaçe a essência fundamental de grande parte de nossas exportações. Em Futuro Ancestral (Companhia das Letras), Ailton Krenak nos alerta:
O Brasil continua exportando sua água por meio de grãos e minérios. Tratam os rios de forma tão desrespeitoso que causa a impressão de que sofreram um colapso emocional em relação às preciosidades que a vida nos oferece na Terra.
Transformemos este limão em limonada: amplemos a participação da sociedade civil na política externa, pois, em tudo concordaremos, a política pública boa é a política pública participativa.
Fonte por: Carta Capital
Autor(a):
Ricardo Tavares
Fluente em quatro idiomas e com experiência em coberturas internacionais, Ricardo Tavares explora o impacto global dos principais acontecimentos. Ele já reportou diretamente de zonas de conflito e acompanha as relações diplomáticas de perto.