É claro que Trump — e os poucos brasileiros que defenderam a alta de tarifas — não consideram o futuro do nosso país.
O anúncio de Trump sobre a elevação a 50% de tarifas sobre produtos brasileiros expõe o que grande parte do debate econômico nacional prefere ignorar: estamos em um momento excepcional de insegurança no comércio internacional, marcado por ataques geoeconômicos crescentes, liderados pelos próprios Estados Unidos, os arquitetos da atual ordem econômica global.
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Como outros países, o Brasil precisa tratar a segurança econômica como tema central da sua agenda de desenvolvimento. A questão é: como?
A tarifação causa mais ruído do que prejuízo para a economia brasileira. Na década de 1990, os EUA absorviam 25% das exportações brasileiras; atualmente, essa participação caiu para menos de 12%, o que corresponde a cerca de 2% do PIB nacional. Em contrapartida, o superávit comercial brasileiro pode atingir 80 bilhões de dólares em 2025. Ademais, o Brasil possui reservas internacionais robustas, em torno de 345 bilhões de dólares, um importante amortecedor contra choques externos desse tipo.
Contudo, certas empresas e setores altamente competitivos – que investiram intensamente e desenvolveram habilidades fundamentadas em normas predefinidas – experimentarão consequências relevantes. Um exemplo notável é o da Embraer, fabricante de algumas das aeronaves mais avançadas no setor de aviação regional. Entretanto, com certa audácia, existem alternativas: somos um país continental e, com a recuperação do crescimento da renda, a procura por voos regionais deverá aumentar rapidamente. Além disso, há grande possibilidade de conectar as capitais sul-americanas às principais cidades brasileiras por via aérea. Nesse contexto, um programa de reorganização do setor aéreo, com ênfase no uso de aeronaves da Embraer, representaria uma resposta estratégica.
Nossa atividade também será impactada. Assim, seria possível estimular o consumo interno de produtos da nossa agroindústria que venham a ser afetados, como suco de laranja, café e carne bovina. Isso pode ser feito através da ampliação das compras governamentais e da liberação de créditos extraordinários para abastecer programas sociais, como a merenda escolar. Da mesma forma, por que não acelerar obras públicas e programas de habitação, direcionando o aço e o ferro-gusa antes exportados para atender ao mercado interno?
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A análise da segurança econômica para o Brasil deve considerar políticas que promovam a substituição de exportações. O país apresenta um grande potencial em fontes renováveis de energia, incluindo hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa, o que o posiciona estrategicamente para liderar setores relacionados à energia limpa e à descarbonização. Além disso, o país pode utilizar sua vantagem competitiva na produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, para ampliar sua participação em mercados internacionais, em consonância com as tendências globais de transição energética.
O investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a colaboração com o setor privado seriam cruciais para impulsionar a inovação nesses segmentos, gerando novos mercados e aumentando o valor da cadeia produtiva. Ademais, uma política industrial direcionada a tecnologias emergentes poderia incentivar a produção e a exportação de soluções tecnológicas relacionadas à geração, armazenamento e utilização eficiente de energias renováveis. Isso abrangeria desde o desenvolvimento de sistemas de baterias e armazenamento de energia até a aplicação de tecnologias para otimizar a eficiência energética em setores como o transporte e a indústria.
É evidente que Trump e os poucos brasileiros que apoiaram o tarifário não estão pensando no futuro da nossa nação. Mas talvez a dimensão da agressão geoeconômica possa, finalmente, fazer estimular um debate que vá além dos interesses políticos e econômicos de curto prazo. Diante de um cenário internacional cada vez mais complexo, pode ser a oportunidade para construir uma coalizão em torno de uma economia mais resiliente, mais próspera e mais justa para todos. Talvez, como diz o ditado, este seja um daqueles casos em que há males que vêm para o bem.
Fonte por: Carta Capital
Autor(a):
Gabriel é economista e jornalista, trazendo análises claras sobre mercados financeiros, empreendedorismo e políticas econômicas. Sua habilidade de prever tendências e explicar dados complexos o torna referência para quem busca entender o mundo dos negócios.