Os Estados Unidos mantêm uma tradição histórica e contínua de políticas protecionistas.
As manchetes anunciam: crescem os riscos da guerra comercial entre os Estados Unidos de Trump e a China de Xi Jinping. O último ataque do presidente americano aos chineses respondeu com a desvalorização do yuan, o que equivale à imposição de tarifas a todas as importações. Trump retrucou com a acusação de manipulação da taxa de câmbio, afirmando: há anos eles roubam os nossos empregos.
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Os Estados Unidos possuem uma longa e consistente tradição de práticas protecionistas. Os primeiros passos nesta jornada são recomendados no Relatório Sobre as Manufaturas, de Alexander Hamilton, publicado em 1791. Hamilton, então secretário do Tesouro, criticou as teorias fisiocráticas que defendiam a superioridade da agricultura.
Propôs uma argumentação notável em favor da manufatura como motor da expansão da especialização do trabalho, da produtividade e do avanço da agricultura.
Engeniosas análises sobre o consagrado liberalismo inglês solicitam permissão. Na segunda metade do século XIX, após suspender, em 1841, a proibição de exportar máquinas e artesanato, e revogar, em 1846, a proteção à sua agricultura, assegurada pelas Corn Laws, o liberal-mercantilismo da perfídia Albion conduziu à expansão do comércio e das finanças internacionais.
Dominado pelos interesses da City, o liberal-mercantilismo inglês estabeleceu as condições para políticas intencionais, diga-se de passagem, protecionistas, de industrialização dos países atrasados da Europa e dos Estados Unidos. Uma questão é outra, distinta é a mesma coisa, lecionam os manuais da dialética elementar para positivistas obstinados.
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No livro Origens da Democracia e da Ditadura, o sociólogo Barrington Moore Jr. examina a Guerra Civil considerando as relações contraditórias, porém não opostas, entre o Sul escravagista-livre-cambista e o Norte em processo de industrialização, impulsionado pela mão de obra assalariada e por intensos protecionismos.
No início do século XIX, existia uma complementaridade entre o Sul escravista e primário-exportador, e a industrialização incipiente. No movimento mútuo de expansão das “duas economias”, as necessidades da indústria, do trabalho assalariado e da ampliação do mercado entraram em conflito com a economia de livre-cambio baseada na mão de obra escrava.
A contradição foi direcionada para as áreas do Oeste. Diante do abrigo da distribuição gratuita de terras do Homestead Act, o crescimento e a estabilização da agricultura familiar naquele local possibilitariam um novo âmbito para a expansão das relações comerciais.
O Oeste passou a fornecer alimentos e minerais e, simultaneamente, expandia o mercado para as indústrias do Norte e Nordeste. A expansão ferroviária e fluvial facilitou o comércio entre as regiões.
Paul Bairoch, Douglas North, Charles Kindleberger e Carlo Cippola documentam a continuidade das práticas protecionistas dos EUA durante o século XIX e a primeira metade do século XX, até o final da Segunda Guerra. O aumento drástico das tarifas, impulsionado pelo Acto Smoot e Hawley em 1930, desencadeou um período sombrio de competição protecionista.
Após a Segunda Guerra, o projeto americano de construção da ordem econômica internacional foi desenvolvido sob a influência do ideal rooseveltiano. Visava fomentar a expansão do comércio entre as nações e proteger seu desenvolvimento de turbulências financeiras e crises de balanço de pagamentos.
A concepção central de Bretton Woods enfatizava a importância de estabelecer normas que assegurassem a ampliação do comércio e o ajuste dos superávits e déficits de pagamento, por meio do fornecimento de recursos financeiros para cobrir as necessidades de balanço, a fim de impedir a disseminação de pressões inflacionárias e as tentativas de protecionismo.
A partir da década de 1970, a reestruturação do capitalismo implicou transformações significativas na forma como as empresas operam, na integração dos mercados e, principalmente, nas relações entre o poder do financeiro e a soberania do Estado. O conceito de globalização representa o aumento da competição entre empresas, trabalhadores e nações, em uma estrutura financeira auto referencial.
A grave crise econômica que afetou o mundo em 2008 expõe as falhas da estrutura político-econômica da globalização. Não por acaso, medidas protecionistas surgiram em diversas partes do planeta. O ato de Trump é uma repetição farsê da tragédia apresentada pela reforma tarifária implementada pelo Smoot-Hawley Act.
Especialistas e reportagens o anunciam em tom alarmista: não vai dar certo. Antes de arriscarem suas reputações com previsões tão acuradas quanto desacreditadas, deveriam indagar de seus botões: o que deu errado?
Fonte por: Carta Capital
Autor(a):
Ambientalista desde sempre, Bianca Lemos se dedica a reportagens que inspiram mudanças e conscientizam sobre as questões ambientais. Com uma abordagem sensível e dados bem fundamentados, seus textos chamam a atenção para a urgência do cuidado com o planeta.