Qualquer reunião de indivíduos comprometidos em influenciar a vida social é tão ideológica quanto sua oposição.
Durante o governo Bolsonaro, a mídia comercial frequentemente o separava em dois grupos, o ideológico e o técnico. No primeiro, encontravam-se personalidades como Ernesto Araújo, então ministro das Relações Exteriores, e Filipe Martins, que exerceu o cargo de assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais. A devoção a Olavo de Carvalho, filósofo falecido em 2022, constituía a base central dessa ala, que acolhia com entusiasmo visões paranoicas e teorias conspiratórias.
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A área técnica seria liderada por Paulo Guedes e seus colaboradores, conduzindo a política econômica do governo. Eles não seriam ideológicos, ao contrário dos integrantes mencionados anteriormente. A preferência dos editores, evidentemente, era voltada para os técnicos, protegidos contra as armadilhas da visão olavista, que ocasionalmente tentava retirar o chão sob seus pés.
Essa lógica replica o princípio liberal de que a economia e a política não devem se misturar. Quando isso ocorre, a economia perde, pois seria afastada sua dimensão técnica – tão natural quanto fenômenos do mundo orgânico – sujeita à irracionalidade ideológica e à artificialidade da política.
É evidente que o grupo de Paulo Guedes, como qualquer conjunto de indivíduos comprometidos em interferir na vida coletiva, demonstra tanta ideologia quanto sua oposição. Guedes liderou o neoliberalismo do governo Bolsonaro, defendendo medidas como privatizações e redução de investimentos sociais. Era a linha considerada “técnica” por analistas e editais, que não hesitavam em rotular de “ideológica” qualquer coisa que fosse em sentido contrário. Inserir uma granada no bolso do servidor público, como afirmou Guedes, seria equivalente à produção de seiva bruta e seiva elaborada.
Entre os vídeos de Maria da Conceição Tavares que viralizaram no final de sua vida, está um em que ela afirma e reafirma que a economia só existe se for política. Não por menos, boa parte dos cursos de humanas tem a cadeira de Economia Política. Embora os problemas econômicos tenham sido objeto de preocupação de pensadores da antiguidade clássica, como Aristóteles, e da Idade Média, como São Tomás de Aquino, foi na era moderna que surgiu o estudo empírico e sistemático dos fenômenos econômicos – ou melhor, a Economia Política, sinônimo, sobretudo, de social, segundo a tradição aristotélica de que homens e mulheres são animais políticos e sociais.
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Aristóteles certamente não se surpreceria com a situação que se apresenta diante da dicotomia entre economia e política: Bolsonaro, ex-chefe de Paulo Guedes, não apenas reconheceu os impactos negativos da política tarifária de Trump sobre o Brasil, como, utilizando a expressão “perdão entre irmãos”, afirmou: “há paz na economia”.
Uma das justificativas apresentadas por Trump para aumentar as tarifas sobre o Brasil é o apoio a Bolsonaro. Através de medidas econômicas restritivas, busca-se um ataque à autonomia do País (conhecida como “soberania”) em defesa de um aliado político.
Não faz sentido solicitar coerência ao liberal-conservador. Muito menos atualmente. Sua tradição histórica, que combina autoritarismo e políticas de choque, remonta, pelo menos, aos Chicago Boys da década de 70, incluindo justamente a escola da qual veio Guedes. O correto é que Trump está mais preocupado com as grandes empresas de tecnologia americanas do que com Bolsonaro, que é utilizado como bode expiatório.
Isto só importa para quem, de fato, está preocupado não só com nossa soberania formal.
Fonte por: Carta Capital
Autor(a):
Com uma carreira que começou como stylist, Sofia Martins traz uma perspectiva única para a cobertura de moda. Seus textos combinam análise de tendências, dicas práticas e reflexões sobre a relação entre estilo e sociedade contemporânea.