Os avanços e as limitações no desafio da governança nas empresas estatais

A falta de alocação adequada de recursos dificulta que as empresas públicas invistam na modernização de sua infraestrutura, na inovação de seus processos e na adoção de novos modelos de negócios sustentáveis.

14/06/2025 9:07

7 min de leitura

Rio de Janeiro (RJ) 19/06/2024 – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de posse da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, no Cenpes. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 19/06/2024 – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de posse da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, no Cenpes. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A importância das empresas estatais no Brasil tem sido cada vez mais reconhecida como um elemento crucial para o progresso socioeconômico e a sustentabilidade. Contudo, essa valorização se confronta com um desafio significativo: como consolidar a gestão dessas empresas diante de restrições de recursos, aumento da concorrência e mudanças contínuas no ambiente internacional.

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Nos últimos anos, a Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais (Sest), vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação, tem buscado aprimorar o desempenho das estatais, com iniciativas como o lançamento do Índice de Governança e Políticas Públicas (IG-Sest) em 2017 e do Manual para Carta de Políticas Públicas, publicado no ano passado. Essas ferramentas visam alinhar as estatais às políticas públicas e incentivar boas práticas de governança.

Contudo, é importante ressaltar que essas iniciativas, apesar de bem-intencionadas, não são uma solução definitiva. O IG-Sest, por exemplo, vai além do simples cumprimento da Lei das Estatais (nº 13.303/2016), incorporando novas dimensões como políticas públicas e boas práticas. Mas, oito anos após seu lançamento, será que foi suficiente para transformar a realidade dessas empresas em um contexto de recursos escassos e pressões externas intensas? Os escândalos recentes em empresas estatais apontam que não. E será que a troca de boas práticas realmente se traduz em inovação e resultados tangíveis para a sociedade?

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Apesar do índice proporcionar uma visão mais abrangente da governança, ele não resolve as questões estruturais que diversas empresas estatais enfrentam. A implementação de práticas de gestão adequadas, como as adotadas por Petrobras e Embrapa, é benéfica, porém ainda não se concretiza na maioria das organizações públicas. A inovação pode ser compartilhada, mas a disparidade entre os líderes e o restante continua sendo um entrave considerável.

O Manual de Carta de Políticas Públicas oferece orientações relevantes para alinhar as empresas estatais com as políticas nacionais, além de incorporar abordagens relacionadas à sustentabilidade, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e a agenda ASG: ambiental, social e governança (ESG em inglês). Contudo, a efetividade dessas diretrizes depende da forma como as empresas as implementam na prática. A indagação é: em que medida essas diretrizes serão mais do que um mero requisito formal, assegurando um impacto genuíneo no desenvolvimento sustentável e nas necessidades da população?

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Essas iniciativas constituem avanços significativos, inegavelmente, porém a efetiva transformação das empresas estatais no Brasil demandará mais do que adaptações na gestão e maior conformidade. O cenário complexo em que essas empresas se encontram exige uma abordagem muito mais abrangente e integrada. Será preciso lidar com desafios como a falta de recursos fiscais e a complexidade das mudanças tecnológicas e ambientais que estamos experimentando. A seguir, proponho algumas considerações sobre quatro aspectos cruciais.

Deficiência de recursos tributários

A falta de recursos financeiros no Brasil constitui um dos principais entraves para a modernização das empresas estatais. O país apresenta um cenário de desequilíbrio fiscal persistente, com déficit orçamentário e alto nível de dívida pública. Em um contexto onde as receitas do governo são restritas e a pressão sobre o orçamento se intensifica, o financiamento adequado para as empresas estatais se torna cada vez mais difícil.

A ausência de uma alocação de recursos eficaz dificulta que as empresas estatais invistam na modernização de suas infraestruturas, na inovação de seus processos e na implementação de novos modelos de negócios sustentáveis. A falta de investimento em áreas estratégicas como tecnologia, capacitação de pessoal e desenvolvimento de novos produtos ou serviços coloca em risco a competitividade das estatais, bem como sua capacidade de cumprir seu papel social e ambiental. No Brasil, em um contexto de austeridade fiscal, a dificuldade em equilibrar as necessidades do setor público com as limitações orçamentárias gera um ciclo vicioso, no qual a inovação frequentemente fica em segundo plano, diante da urgência de cobrir déficits imediatos.

Transformações tecnológicas e digitalização.

Ademais, a complexidade das transformações tecnológicas representa um desafio significativo. A quarta revolução industrial, marcada pela digitalização, inteligência artificial, automação e big data, exerce uma pressão crescente sobre as empresas estatais para que se ajustem a novos modelos tecnológicos.

Contudo, diversas empresas estatais no Brasil ainda têm dificuldades em incorporar essas tecnologias de maneira eficaz. A resistência à mudança, a carência de capacitação tecnológica apropriada e a infraestrutura digital precária em algumas organizações públicas impedem a adoção de soluções tecnológicas inovadoras que possam promover maior eficiência e competitividade.

A digitalização nas empresas estatais é um pré-requisito para que elas não se tornem marginalizadas pela inovação, mas também é uma tarefa complexa, que exige investimentos, competências especializadas e uma mudança de cultura dentro das próprias organizações. Apesar de existirem bons casos com processos mais avançados, isso não é uma regra, e a grande maioria das estatais ainda precisa lidar com um considerável atraso tecnológico.

Desafios ambientais e a sustentabilidade a longo prazo.

A agenda ambiental também é fundamental. As empresas estatais brasileiras, que frequentemente atuam em setores-chave como energia, transportes e telecomunicações, são afetadas diretamente pelas questões ambientais e pela necessidade de implementar práticas de sustentabilidade em suas atividades.

O Brasil, devido à sua biodiversidade singular e à sua significativa responsabilidade ambiental, necessita que suas empresas públicas se adequem a compromissos internacionais, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as metas climáticas do Acordo de Paris. No entanto, diversas empresas estatais ainda não possuem uma estratégia de sustentabilidade sólida, que transcenda o cumprimento de exigências ambientais e incorpore práticas ecologicamente responsáveis como parte fundamental de sua orientação.

A mudança para modelos mais sustentáveis, como a economia circular e a descarbonização, demanda investimentos substanciais, inovação tecnológica e, frequentemente, uma transformação profunda nas operações das empresas. Caso não haja essa adaptação, as empresas estatais podem não apenas perder competitividade no mercado internacional, mas também não atender às crescentes expectativas da sociedade em relação à responsabilidade ambiental.

Necessidade de integração e inovação.

A efetiva mudança das empresas estatais demanda uma integração mais aprofundada entre gestão, inovação e sustentabilidade. A governança corporativa, que se tornou o foco das reformas, não deve ser considerada um objetivo isolado, mas sim parte de um processo mais amplo e integrado, que engloba a inovação organizacional e a habilidade de se adaptar às novas exigências do mercado e da sociedade.

A inovação não se restringe à tecnologia; deve estar presente nas práticas de gestão, na adoção de novos modelos de negócios, na criação de parcerias estratégicas e na reinvenção das relações entre as empresas estatais e a sociedade civil. Organizações como a Petrobras e a Embrapa ilustram que é viável unir a excelência em governança com a inovação social e ambiental, sendo fundamental que mais empresas estatais sigam essa direção, investindo em novas formas de gestão, aprendendo com modelos internacionais bem-sucedidos e promovendo a criação de soluções criativas para os desafios sociais e ambientais.

É necessário não apenas aperfeiçoar as estruturas de governança ou implementar mais controles de conformidade, mas sim promover uma verdadeira transformação das empresas estatais em organizações mais resilientes, inovadoras e aptas a incorporar a sustentabilidade como um pilar estratégico fundamental de suas operações. Essa transformação só será viável se as estatais forem consideradas não apenas como reflexo das demandas do Estado, mas também como agentes-chave no desenvolvimento de um Brasil mais justo, sustentável e tecnologicamente avançado.

Edvard Corrêa é líder do partido Liberal, comunicador de projetos de formação e especialista em ESG, Governança e Gestão Pública.

Fonte por: Jovem Pan

Ana Carolina é engenheira de software e jornalista especializada em tecnologia. Ela traduz conceitos complexos em conteúdos acessíveis e instigantes. Ana também cobre tendências em startups, inteligência artificial e segurança cibernética, unindo seu amor pela escrita e pelo mundo digital.