A Organização dos Estados Americanos (OEA) evita discutir as ações do presidente americano, Donald Trump, em relação ao Brasil. A omissão se deve ao receio de que, em retaliação, os Estados Unidos cancelem seus investimentos ou simplesmente se retirem desta que é a principal organização das Américas. Além disso, há países que, individualmente, temem ser alvos de ações hostis da Casa Branca, a exemplo do que já acontece com o Estado brasileiro.
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A CartaCapital reporta que um clima de apreensão, tensão e temor permeou a OEA, conforme relatado por mais de um diplomata sediado na sede da organização, em Washington. Em conversas reservadas durante a última semana de julho, alguns expressaram receio de que Trump se opusesse a uma instituição que, até então, havia escapado dos ataques que os Estados Unidos já fizeram contra outras instâncias semelhantes, como a Organização Mundial da Saúde, sem considerar a própria USAID, a agência americana para o desenvolvimento.
“A situação é muito grave”, declarou uma das diplomatas, em conversa telefônica, na última quinta-feira 31. “O multilateralismo, de maneira geral, está sob a lupa de Donald Trump, e nós achamos que, nos próximos dias, ele deve se pronunciar sobre isso”, afirmou, referindo-se às críticas que o presidente americano pode vir a fazer à organização, caso ela tome posições públicas simpáticas ao Brasil na disputa em torno das decisões que vem sendo tomadas pelo juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
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Os Estados Unidos são o principal financiador da OEA. Anualmente, os americanos respondem por mais de metade do orçamento total da organização, que em 2025 atingiu os 93,6 milhões de dólares. Uma interrupção repentina dessas contribuições poderia significar o encerramento das atividades comuns da OEA, visto que nenhum outro membro possuiria condições de suprir essa lacuna.
Ademais da perda de financiamento, a OEA enfrenta o risco de que o governo Trump impeça a emissão de vistos e a permanência de diplomatas dos 32 países membros que integram a organização, cuja sede está em Washington, a poucos metros da Casa Branca. Outro ponto de preocupação reside no risco de que os Estados Unidos desistam de fazer parte da OEA, esvaziando a única instância multilateral que acolhe quase todos os países do continente americano; ou ainda que a Lei Magnitsky ou outros instrumentos semelhantes possam ser utilizados para sancionar membros da organização, a exemplo do que ocorreu contra o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), o britânico Karim Khan.
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Esses temores, somados, segundo esses diplomatas, explicam o silêncio que a OEA mantém diante das ações hostis que Trump tomou contra o Brasil. O secretário-geral da organização é o surinamês Albert Amdin. Ele foi eleito para o cargo em 10 de março, com apoio inclusive do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para substituir o uruguaio Luís Almagro, que estava lá dez anos no posto.
A saída de Almagro do chanceler do Uruguai, no governo de Pepe Mujica, coincidiu com o aumento de suas posições alinhadas a Washington e divergentes dos governos de esquerda na região. A substituição por Amdin ocorreu com a esperança de que o uruguaio pudesse alterar a orientação ideológica da organização, porém, a eleição de Trump está frustrando essa expectativa.
Amdin poderia desempenhar um papel de mediador entre Brasil e EUA, representando uma saída diplomática para reduzir as tensões. A Assembleia-Geral da organização também poderia se manifestar sobre o ocorrido. O Brasil provavelmente destacaria trechos da Carta da OEA que estão sendo infringidos pelos EUA, incluindo a obrigação de respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados, bem como o princípio da boa vizinhança e a não intervenção.
A Assembleia Geral é composta atualmente por 32 países membros. Se pelo menos 18 votassem a favor de uma moção com essa, o Brasil teria maior força para confrontar as hostilidades de Trump, demonstrando que suas posições têm amplo respaldo regional. Contudo, “o cenário parlamentar na OEA é hoje desfavorável a qualquer enfrentamento ao bullying”, afirmou um dos diplomatas.
O Itamaraty ainda não adotou nenhuma medida em relação aos Estados Unidos na Organização dos Estados Americanos. O Brasil não propôs nenhuma discussão na Assembleia-Geral e não apresentou queixas em relação a Trump aos demais países membros. A demora em acionar essa instância pode estar relacionada à expectativa por um desfecho na política de tarifas aduaneiras que os EUA aplicariam ao Brasil. Apesar da ameaça inicial de taxar em 50% todos os produtos brasileiros, Trump tem demonstrado recuos, diminuindo a lista de itens sujeitos a sobretaxas.
A expectativa em torno do Brasil também se deve ao relatório aguardado para o final de agosto ou início de setembro, elaborado pelo relator especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Pedro Vaca. O colombiano esteve em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo entre 9 e 14 de fevereiro para “coletar informações sobre a situação da liberdade de expressão e seu impacto sobre os direitos humanos no país”. Na visita, Vaca realizou encontros com integrantes da extrema-direita bolsonarista, que relataram insatisfações com as decisões do ministro Moraes no combate às milícias digitais.
Organizações e movimentos sociais que acompanharam o trabalho de Vaca temem que ele possa contemplar nessas reclamações em seu relatório, em uma tentativa de se mostrar neutro, equidistante e equilibrado em relação à disputa política brasileira. Se isso ocorrer, o relatório fornecerá munição para que os bolsonaristas reforcem o discurso de que o Brasil se tornou uma ditadura, o que acabaria justificando e reforçando as ações que já vêm sendo tomadas pelos EUA.
Um fator agravante no relatório é que sua publicação está prevista para a época em que o Supremo Tribunal Federal deve julgar o caso envolvendo Bolsonaro e a tentativa frustrada de golpe de Estado de 2022/2023.
Fonte por: Carta Capital