O ataque retaliação da extrema-direita é sentimental
Com exaltações e citações bíblicas, Michelle Bolsonaro busca despertar as emoções do público evangélico nas redes sociais, visando fortalecer o apoio a …
As publicações de Michelle Bolsonaro no Instagram despertaram atenção durante as primeiras fases do processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Acompanho diutamente suas postagens e observei que, além de interagir com seus apoiadores e atrair novas eleitoras, ela continua a influenciar os sentimentos de mulheres evangélicas por meio de passagens bíblicas interpretadas de forma inadequada, defendendo a inocência do ex-presidente.
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Michelle continua a reforçar argumentos já refutados judicialmente, atribuindo a culpa ao governo de esquerda e ao presidente Lula por crises econômicas e diplomáticas internacionais, mesmo quando o assunto não se relaciona com a situação do país. Ela acredita que descreditar o Supremo Tribunal Federal é uma forma de retornar o marido à esfera política, utilizando uma estratégia que combina acusações infundadas, discurso religioso e busca por novas filiações partidárias de mulheres.
Em 3 de setembro, no segundo dia do julgamento, Michelle publicou em seu story uma canção evangélica amplamente difundida na comunidade pentecostal à qual afirma pertencer. A letra declara: “a perseguição não parou a igreja/ o coliseu não parou a igreja/ os leões não pararam a igreja do Senhor/ o inferno não pode prevalecer”. O emprego político desse recurso litúrgico cristão requer atenção, principalmente em um momento tão delicado.
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Ao publicar essa passagem, Michelle tenta se apresentar como vítima, alegando haver perseguição religiosa em desenvolvimento. No entanto, afirmar perseguição ao cristianismo no Brasil é reiterar a desinformação: foi durante os governos de esquerda, por meio de políticas públicas direcionadas à população historicamente mais pobre, que a igreja evangélica expandiu sua presença, conforme evidenciado nos censos do IBGE de 2010 e 2022.
Não houve perseguição religiosa aos evangélicos no Brasil, ainda que essa narrativa seja hoje central para unir, no âmbito da extrema-direita, os descontentes com a governança de esquerda e aqueles que se deixaram levar por discursos religiosos utilizados com fins eleitorais.
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A menção ao Coliseu desvaloriza a memória dos mártires cristãos dos primeiros séculos, que foram mortos pelo Império Romano por causa de sua fé. A intensidade do Evangelho que os inspirava a viver em verdade e justiça era tão grande que o maior sistema de dominação do Ocidente teve que usar métodos de tortura e morte para tentar impedi-los. “Os leões não pararam a igreja” indica que aqueles cristãos pagaram com sangue o preço de permanecerem afastados de uma sociedade injusta. A música, portanto, evoca o oposto do que se viu nos quatro anos do governo Bolsonaro e agora no julgamento que expõe esquemas de mentiras, corrupção e tentativa de golpe de Estado.
Michelle explora as emoções do público evangélico, que interpreta suas mensagens de forma imediata. Ela manipula símbolos de fé de grande importância, empregando tanto passagens bíblicas descontextualizadas quanto músicas litúrgicas de profundo significado espiritual, principalmente para os pentecostais.
Ao enfatizar a expressão “o inferno não pode prevalecer”, Michelle mobiliza um imaginário apocalíptico significativo e ignora intencionalmente que, conforme o ensino de Jesus, as forças do mal se intensificam quando a corrupção não é combatida, a mentira é perpetuada e a vontade do povo é desconsiderada. Essa é a distorção da justiça e da verdade.
As publicações atuam como desvio para o investimento real: o programa Alicerça Brasil do PL Mulher. Michelle tem estabelecido uma base sólida de apoio, inspirada no modelo comunitário das igrejas evangélicas, onde pequenos grupos oferecem ambiente acolhedor para discussões sobre temas relevantes. Seu objetivo de inserir aliadas em conselhos municipais, estaduais e federais já está sendo implementado, como evidenciado pelo aumento da presença evangélica conservadora nos conselhos tutelares. Reportagem do Valor Econômico de 2 de setembro demonstrou que os assuntos abordados nesses grupos variam de questões práticas – inflação, gastos públicos, segurança – a temas do ideário conservador, como “ideologia de gênero” e alertas contra a cultura “woke” e socialista no conselho tutelar.
A professora de sociologia Christina Vital, da Universidade Federal Fluminense, defende que a proposta é remodelar o Brasil sob uma perspectiva cristã conservadora: “esses projetos buscam estabelecer uma conexão emocional e prática com as mulheres, utilizando temas relevantes para elas, como saúde, educação dos filhos, direitos das crianças com deficiência e proteção nas redes sociais”.
Michele Bolsonaro demonstra habilidade em utilizar a linguagem que ressoa com as mulheres, as temáticas que atraem o público evangélico e os textos bíblicos que essa comunidade valoriza, empregando esses elementos para facilitar o retorno da extrema-direita à sede do poder.
Fonte por: Carta Capital
Autor(a):
Júlia Mendes
Apaixonada por cinema, música e literatura, Júlia Mendes é formada em Jornalismo pela Universidade Federal de São Paulo. Com uma década de experiência, ela já entrevistou artistas de renome e cobriu grandes festivais internacionais. Quando não está escrevendo, Júlia é vista em mostras de cinema ou explorando novas bandas independentes.












