Novo programa social pode prejudicar a inserção no mercado de trabalho formal, afirma especialista

A especialista em políticas públicas e professora do Insper, Laura Müller Machado, destaca a relevância da assistência social e as estratégias para aprimorar o programa do governo federal.

08/06/2025 3:19

8 min de leitura

Novo programa social pode prejudicar a inserção no mercado de trabalho formal, afirma especialista

A professora Laura Müller Machado, coordenadora dos cursos de pós-graduação em Gestão Pública do Insper, afirma que o programa Bolsa Família, funcionando como está, está incentivando que as pessoas permaneçam na informalidade.

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O Bolsa Família, em sua configuração atual, apresenta uma série de desafios, o que acaba dificultando um pouco a inserção no mercado de trabalho formal.

É necessário aprimorá-lo no sentido de ser mais adequado ao mercado de trabalho. Isso beneficia as famílias vulneráveis, beneficia os empresários, beneficia o país, gera mais renda, gera mais autonomia, gera inclusão social.

Para obter o benefício, a família deve possuir uma renda mensal por pessoa, que é a média da renda de cada membro dividido pelo número de pessoas, até o valor de R$ 218.

O CNN, Machado ainda comenta a importância dessas famílias terem acompanhamento de assistentes sociais e sobre a necessidade de otimização do Cadastro Único, a plataforma central do governo para gerenciamento dos programas sociais.

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Ouça os pontos cruciais da entrevista:

O Bolsa Família está afastando trabalhadores do mercado de trabalho?

O Bolsa Família é um programa essencial para o Brasil. Ele é responsável pela saída de milhões de pessoas da pobreza, aprimoramento da aprendizagem, por alguma mobilidade social, ainda que limitada, e a diminuição de ocorrências de doenças graves na saúde.

O laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2019, Abhijit Banerjee, apresenta uma linha de pesquisas que demonstra que programas como o Bolsa Família, de fato, estimulam a atividade laboral.

Uma família carente pode não dispor de meios para elaborar um currículo, realizar entrevistas ou iniciar um negócio. A transferência de renda auxilia na inclusão no mercado de trabalho. A questão central é: qual o emprego?

O Bolsa Família, na configuração atual, apresenta diversos obstáculos. Ele pode dificultar a entrada no mercado de trabalho formal, estimulando que as pessoas permaneçam no trabalho informal devido à menor incidência de sanções nesse setor.

Seria necessário promover uma transição mais amigável para a inclusão de indivíduos que estão ingressando no mercado de trabalho formal, visando otimizar o Bolsa Família.

Devendo promover incentivos, e sem sanções. Uma pessoa vulnerável, que encontra uma colocação no mercado de trabalho formal, deveria ser valorizada. É bastante complicado que a população mais vulnerável se insira no mercado formal. isso é digno de reconhecimento, e não de perda de auxílio.

Além desse prêmio, é fundamental que essa família receba acompanhamento de um assistente social para verificar se este trabalho é adequado.

É possível reduzir progressivamente o benefício, verificando se o retorno automático ocorre se a pessoa perder a oferta de emprego. Existem projetos que são mais adequados para a inclusão produtiva de famílias vulneráveis.

Atualmente, após um indivíduo ser punido e perder um emprego, a remoção do benefício causa prejuízo à autonomia e ao desenvolvimento econômico do Brasil.

Qual é a maneira que o setor público pode se aproximar das famílias?

Todas as famílias beneficiárias do Bolsa Família realizam a solicitação do benefício em um CRAS [Centro de Referência da Assistência Social]. Lá você encontra uma série de pessoas preparadas e capacitadas para realizar o acompanhamento.

Não é possível escapar da pobreza através de aplicativos. É necessário compreender a causa da vulnerabilidade e a razão pela qual se impede a autonomia daquela família.

Existem famílias em que o motivo é a falta de uma creche. Há uma mãe que está sozinha. Inclusive, teria um salão onde poderia trabalhar, mas ela não consegue porque tem dois filhos sem vaga na creche. Pode haver outra família que o motivo é ter um idoso em casa. Então, o adulto em atividade de trabalho está cuidando dele.

Aqueles que acreditam que aqui o vulnerável necessita de um curso de qualificação profissional, frequentemente não estão certos. Muitas vezes, ele já possui uma atividade profissional e precisa de auxílio para comercializar seu produto. não se pode determinar isso à distância, nem por meio de um aplicativo.

A falha no Cadastro Único impacta o Bolsa Família? Quais aspectos necessitam de revisão?

É fundamental que os assistentes sociais se deslocem até os territórios, dialoguem com os líderes comunitários e com os líderes locais e verifiquem se há alguém em condição de extrema vulnerabilidade que necessita de acesso.

Geralmente, essas pessoas são invisibilizadas. Não existem registros administrativos e eles não estão nas bases de dados.

Ademais, é crucial que se realize também um trabalho de desenvolvimento e acompanhamento dessas famílias. Apenas o cadastro para o Bolsa Família não é suficiente.

O assistente deve estar próximo para assegurar que a família receba tudo o que tem direito. O objetivo da política social é auxiliar as pessoas a buscarem a autonomia.

O Cadastro Único é atualmente a plataforma, sendo a base para a maioria dos programas sociais. A questão é que possuímos essa base de dados sem contato direto com essas pessoas.

O debate frequentemente se concentra na eficácia da aplicação dos recursos, em detrimento do valor total investido. No que diz respeito ao Bolsa Família, como seria possível aprimorá-lo?

É preciso iniciar com a realização de visitas domiciliares. Em segundo lugar, a sugestão do prêmio Nobel [Abhijit] Banerjee é empregar bancos de dados mais rápidos. Dados como o uso de celular e a conta de energia elétrica são informações que se pode obter sobre essa população.

O emprego dessas informações para qualificar a renda das famílias pode ser bastante relevante para um Cadastro Único mais eficiente e com maior qualidade. Alguma imperfeição sempre existirá, mas a estratégia de realizar verificações administrativas em Brasília certamente não é a mais adequada.

Assim, isso não é um gasto que seria necessário cortar imediatamente, é possível prosseguir por esse caminho de administrar os gastos públicos?

É necessário realizar primeiramente avaliações das nossas políticas sociais e das políticas públicas em sua totalidade. A partir das avaliações da qualidade do investimento, poder-se-ão fazer correções.

Iniciar a eliminação indiscriminada de softwares essenciais para nossa população vulnerável não é uma boa ideia.

Contudo, considero que o investimento público no Brasil é excessivamente ineficiente. O Bolsa Família necessitava de maior eficiência. Isso difere de uma política cega, que pune a população vulnerável.

Realizando essa avaliação de qualidade de gastos, seria possível que o Bolsa Família e outros gastos sociais se adequassem melhor à estrutura fiscal?

Sim. Acredito que há grande espaço para o Brasil diminuir gastos. Isso não pode ser feito de maneira aleatória. É necessário avaliar, compreender as vulnerabilidades através de um sistema de acompanhamento e análise.

Medidas para elevar a eficiência podem auxiliar o Brasil a, um dia, não depender mais do Bolsa Família.

Serão sempre necessários programas de transferência de renda para a população vulnerável.

Estamos observando os desastres climáticos. Assim, é natural que em qualquer país haja pessoas entrando e saindo da pobreza. O que não se espera é que um país que está enriquecendo, gerando mais orçamento, mais PIB e está aumentando o número de beneficiários.

Assim, o Bolsa Família, na minha visão, sempre será necessário. O que não pode é ele ser o único caminho para uma vida digna.

Observa-se que esses indicadores macro, como o crescimento do PIB, o mercado de trabalho superaquecido e o aumento da renda média, não refletem a situação de diversas pessoas. O que ocorre no percurso?

Com o país em expansão, surgem novas possibilidades. É necessário implementar mecanismos que assegurem que a população mais vulnerável tenha acesso a essas oportunidades. Isso não ocorre apenas por meio de transferências financeiras, mas também por meio de diácom essas famílias.

Assim, é necessário direcionar esses recursos para essas famílias, identificar as oportunidades que estão sendo geradas naquela região e elaborar um plano para que essas famílias aproveitem essas oportunidades.

Diversos economistas indicam que o problema se intensificou a partir da mudança de governo. O que poderia ter sido evitado para não se apresentar essa situação fiscal tão delicada atualmente?

Dispomos de maiores recursos, maior PIB e orçamento ampliado, porém gastamos tudo sem ter noção dos resultados. Não se sabe se essas políticas estão sendo eficazes ou não. Nesse cenário, torna-se muito difícil realizar qualquer tipo de ajuste de qualquer natureza.

Assim, qualquer modificação realizada será feita de maneira inadequada. Dessa forma, esses cortes e reduções necessários serão realizados de forma cega e isso é inadequado.

A inteligência artificial, as mudanças climáticas e a demografia deverão criar 78 milhões de novos empregos até 2030.

Fonte por: CNN Brasil

Autor(a):

Ex-jogador de futebol profissional, Pedro Santana trocou os campos pela redação. Hoje, ele escreve análises detalhadas e bastidores de esportes, com um olhar único de quem já viveu o outro lado. Seus textos envolvem os leitores e criam discussões apaixonadas entre fãs.