Lenacapavir: compreenda as particularidades do tratamento inovador para a prevenção do HIV

A substância, antes restrita a indivíduos já contaminados, passa a fazer parte da PrEP nos Estados Unidos e pode aumentar a adesão ao método preventivo.

14/07/2025 11:09

6 min de leitura

Lenacapavir: compreenda as particularidades do tratamento inovador para a prevenção do HIV
(Imagem de reprodução da internet).

Estima-se que quase 40 milhões de pessoas vivam com o vírus HIV no mundo. Em 2023, foram identificados 1,3 milhão de novos casos, segundo as estimativas mais recentes do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids).

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

A mais recente promessa é o lenacapavir, aprovado em junho pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, como mais uma alternativa de profilaxia pré-exposição (PrEP) ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Aids. A decisão foi tomada após análise de dois ensaios clínicos de fase 3 que apontaram uma eficácia de 99,9% na prevenção da infecção.

O lenacapavir, desenvolvido pela farmacêutica Gilead Sciences, com sede nos EUA, já era comercializado no país norte-americano desde 2022, mas indicado apenas para indivíduos infectados com resistência a antirretrovirais comuns.

Leia também:

O medicamento age por um mecanismo distinto: ao contrário da maioria dos antirretrovirais, que interferem na produção do material genético do HIV, o lenacapavir impede a formação do denominado capsídeo, estrutura que abriga o RNA do vírus e facilita sua entrada nas células. Ao bloquear essa etapa, o HIV é impedido de se replicar, o que mantém a infecção controlada.

O lenacapavir, quando armazenado no tecido adiposo do paciente (principalmente no abdômen, local comum para a injeção), é liberado gradualmente no corpo, assegurando sua ação por até seis meses. Após esse intervalo, é suficiente apenas uma nova aplicação para preservar o efeito protetor.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Com os resultados positivos no tratamento, a Gilead avalia o medicamento também como ferramenta de prevenção. Cinco estudos clínicos estão em andamento, dos quais dois – “PURPOSE 1” e “PURPOSE 2” – já demonstraram resultados preliminares.

O PURPOSE 1 acompanhou 2.134 mulheres cisgênero na África do Sul e em Uganda, com eficácia de 100% na prevenção do HIV entre as voluntárias. Já o PURPOSE 2 incluiu 2.179 homens e mulheres nos EUA, Argentina, México, Peru, Porto Rico, África do Sul, Tailândia e Brasil, e registrou apenas dois casos de infecção pelo HIV, indicando eficácia de 99,9%.

A principal vantagem do lenacapavir é a sua posologia. A adesão ao tratamento preventivo é facilitada, uma vez que ele exige apenas duas doses de uma injeção, espaçadas por seis meses cada, explica o infectologista Moacyr Silva Junior, do Einstein Hospital Israelita. A PrEP usual depende que o usuário tome um comprimido diário para se manter protegido. Caso a pessoa esqueça ou não consiga tomar sua dose, ela pode ficar mais suscetível à infecção.

O médico ressalta, contudo, que os estudos utilizados pela FDA utilizam uma amostra pequena. É possível que, em uma aplicação populacional real, essa taxa de eficiência seja um pouco inferior aos 99,9% obtidos nos ensaios, adverte.

O lenacapavir chega ao Brasil.

O lenacapavir ainda não está disponível no mercado nacional. No último dia 3 de abril, a Gilead divulgou que havia enviado o pedido de registro à Anvisa. Em nota enviada à Agência Einstein, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse: “Existem dois pedidos de registro de produto contendo o referido ativo. Um na forma farmacêutica solução injetável e o outro na forma farmacêutica de comprimidos”.

Apesar de ambos os usos serem considerados prioritários, a solicitação inicial para o lenacapavir não incluía a indicação como PrEP. Isso implica que a decisão sobre a ampliação do uso para a profilaxia pré-exposição pode demorar mais do que a liberação para pacientes com histórico de tratamento intensivo e resistência a múltiplas classes de antirretrovirais, visto que a análise só poderá avançar após o registro ser concedido.

Para Moacyr Silva, a aprovação do lenacapavir aqui é uma questão de tempo. “O Brasil possui um programa de IST/Aids bastante robusto, portanto, acredito que esse produto deve chegar em breve em nosso rol de medicamentos tanto para uso no coquetel de tratamento quanto para a prevenção do vírus”.

Desde 2018, a PrEP é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com acompanhamento médico regular. Dados do Painel PrEP, do Ministério da Saúde, indicam que aproximadamente 165.473 pessoas utilizaram pelo menos uma dose dos medicamentos preventivos em 2024. Para fins de comparação, em 2020 esse número era de 26.585, o que representa um crescimento de 522%.

O número de municípios que oferecem a PrEP também aumentou: em 2020, 177 cidades disponibilizavam os medicamentos preventivos; quatro anos depois, já eram 659. A maioria dos usuários são homens cisgênero homoafetivos (81%), mas a PrEP também é utilizada por homens cis heterossexuais (7,9%), mulheres cis (6,1%), mulheres trans (2,7%) e homens trans (1,6%). Em relação à faixa etária, o grupo predominante está entre 30 e 39 anos (42,3%), seguido por pessoas de 25 a 29 anos (22,2%) e de 40 a 49 anos (18%).

O preço é um ponto de atenção.

Uma das preocupações em relação ao lenacapavir é o custo do medicamento. Em reportagem publicada no último dia 18 de junho, o The New York Times revelou que a profilaxia pré-exposição com a droga terá o valor de US$ 28.218 nos Estados Unidos, segundo informou a Gilead ao jornal.

Entretanto, em comunicado publicado na mesma data, a empresa afirmou que, nos Estados Unidos, “está trabalhando em estreita colaboração com seguradoras, sistemas de saúde e outros pagadores com o objetivo de assegurar uma cobertura abrangente do Yeztugo [nome comercial do lenacapavir no país]. A UNAIDS enfatiza que, embora seja revolucionário, o produto precisa ser acessível à população para garantir uma chance real de erradicar o vírus.”

Existem, contudo, maneiras de superar essa situação. É frequente que, assim que um medicamento novo aparece, seu custo de produção seja elevado. Por isso, também é uma prática comum investir na sua perda de patente, possibilitando o desenvolvimento de medicamentos genéricos, de valor mais acessível, comenta o especialista do Einstein. No Brasil, isso já foi realizado no passado com o antirretroviral efavirenz.

Um estudo preliminar, não revisado por pares publicado na revista The Lancet, sugere que formas genéricas do lenacapavir poderiam diminuir o custo anual por indivíduo para valores entre US$ 35 e US$ 46. O progresso na tecnologia de produção e o crescimento da demanda poderiam reduzir ainda mais o custo para US$ 25 por pessoa ao ano.

Em combinação com as estratégias de prevenção combinada, como o uso de preservativos e as testagens regulares, a PrEP revolucionou o enfrentamento do HIV e da AIDS. Assim, acredito que a adição do lenacapavir pode ser bastante promissora na redução do problema e na promoção do bem-estar daqueles que convivem com a infecção, avalia Moacyr Silva.

O HIV não é AIDS: compreenda a diferença entre o vírus e a doença.

Fonte por: CNN Brasil

Autor(a):

Com formação em Jornalismo e especialização em Saúde Pública, Lara Campos é a voz por trás de matérias que descomplicam temas médicos e promovem o bem-estar. Ela colabora com especialistas para garantir informações confiáveis e práticas para os leitores.