Juiz de Justiça do Estado de São Paulo determina pena para proprietário em decorrência de óbito de empregado exposto a 64 substâncias agroquímicas
Jovem de 23 anos faleceu após intoxicação por veneno agrícola aplicado em plantações de tomate em Itapeva (SP).
A Justiça do Trabalho de São Paulo julgou que a morte de um trabalhador rural de 23 anos foi causada pela exposição a agrotóxicos em uma fazenda de tomate em Itapeva, interior de São Paulo. A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região condenou o proprietário da fazenda e a empresa Trebeschi Tomates Minas Ltda ao pagamento de R$ 100 mil por danos materiais, além de pensão mensal equivalente a um salário mínimo para o filho da vítima até os 18 anos.
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A decisão de 16 de maio de 2025 estabelece um precedente relevante ao vincular o uso de substâncias químicas à morte de trabalhadores rurais, frequentemente expostos a condições insalubres sem a proteção adequada. A decisão também criticou a falta de medidas básicas de segurança por parte do empregador, incluindo o fornecimento de equipamentos apropriados e sua substituição regular.
De acordo com o laudo pericial, o trabalhador, Vitor Manoel dos Santos Silva, realizava atividades de cultivo e colheita de tomates em um ambiente com pulverização contínua de agrotóxicos. Foram detectados 64 agrotóxicos distintos utilizados na produção, incluindo substâncias como Malathion e Klorpan, ambas do grupo dos organofosforados, notos por seus efeitos prejudiciais ao sistema nervoso central.
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Vitor Manoel dos Santos Silva, com 23 anos, faleceu em dezembro de 2023. Para a Justiça, a morte foi repentina e os sinais clínicos eram consistentes com intoxicação por organofosforados. Na decisão, o relator João Batista Martins César ressaltou que, em casos de óbito, a perícia médica é desnecessária e o nexo causal pode ser reconhecido com base em documentos técnicos, como laudos periciais, prontuários hospitalares e certidões de óbito.
A Justiça também ressaltou que o óbito prematuro do trabalhador afeta significativamente o desenvolvimento de seu filho, ainda com apenas um ano de idade. A decisão cita dispositivos constitucionais e internacionais destinados à proteção da infância para justificar a necessidade de indenização.
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A defesa alega
A empresa sustenta que o trabalhador não estava envolvido diretamente na aplicação dos produtos químicos, tarefa reservada aos tratoristas. Adicionalmente, afirmou que todos os funcionários empregavam equipamentos de proteção individual, incluindo jaleco, máscara e luvas, e que não existia risco de contaminação direta.
Na defesa, também alegou que a morte de Vitor ocorreu por causas naturais e sem relação com as atividades desenvolvidas na fazenda. A empresa juntou ao processo certidão de óbito e registros médicos que não indicam diretamente intoxicação por agrotóxicos, além de afirmar que o trabalhador era fumante, o que, segundo a defesa, poderia ter influenciado seu estado de saúde.
Ademais, a empresa questionou a legitimidade da cônjuge da vítima para representá-lo judicialmente e alegou tentativa de “enriquecimento ilícito” por parte dos familiares. Os argumentos foram rejeitados pela Justiça, que considerou válidas as provas apresentadas pela família do trabalhador. O empregador recorreu da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Exposição sem proteção e uso contínuo de agrotóxicos
O relatório técnico, elaborado por engenheiro de segurança do trabalho, identificou que o ambiente de trabalho apresentava risco à saúde, e que os equipamentos disponibilizados eram inadequados para proteger os trabalhadores da exposição a agrotóxicos. A análise foi realizada na área de cultivo da fazenda localizada no bairro dos Lemes, em Itapeva (SP).
A composição de agrotóxicos compreende substâncias ativas, incluindo Imidacloprido, Glifosato, Deltametrina, Fipronil e Tebuconazol – muitos deles ligados a efeitos tóxicos graves nos sistemas nervoso, hepático e renal. A perícia ressaltou que, apesar da empresa defender o emprego de EPIs, não existia um registro adequado de substituição periódica dos equipamentos, o que afetaria sua eficácia.
Os funcionários entrevistados pela perícia informaram que a pulverização ocorria com trator, e os demais trabalhadores se encontravam nas imediações, frequentemente a menos de 10 metros da aplicação de venenos.
O relato apresentado não representa um caso isolado. O Brasil ocupa a primeira posição no consumo global de venenos agrícolas, tanto em volume total quanto por hectare cultivado. Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) revelou que o país utilizou mais de 720 mil toneladas de agrotóxicos em lavouras em 2021. Essa quantidade é superior à utilizada em conjunto por China e Estados Unidos no mesmo ano.
O Judiciário aponta negligência e relação com o óbito.
A reformulação da sentença de primeira instância permitiu estabelecer a ligação entre o trabalho e a morte do jovem. O TRT-15 considerou que o conjunto de provas – incluindo o laudo pericial e a rotina de trabalho apresentada nos autos – demonstra a responsabilidade da empresa. A decisão afirma que “a exposição habitual do trabalhador rural a agentes químicos nocivos à saúde, sem a proteção adequada, caracteriza negligência patronal e descumprimento das obrigações previstas na CLT e na NR-31”.
O tribunal também reforçou o papel do empregador na prevenção de riscos à saúde, citando o artigo 7º da Constituição Federal. “O empregador tem o dever constitucional de reduzir os riscos inerentes ao trabalho por meio da adoção de normas de saúde, higiene e segurança”, afirmou o relator.
Fonte por: Brasil de Fato
Autor(a):
Júlia Mendes
Apaixonada por cinema, música e literatura, Júlia Mendes é formada em Jornalismo pela Universidade Federal de São Paulo. Com uma década de experiência, ela já entrevistou artistas de renome e cobriu grandes festivais internacionais. Quando não está escrevendo, Júlia é vista em mostras de cinema ou explorando novas bandas independentes.












