Havaí emprega mosquitos geneticamente alterados para proteger aves ameaçadas de extinção

Drones liberam cápsulas contendo machos de mosquito que transportam uma bactéria específica para o controle da população de insetos e a proteção de espé…

25/07/2025 17:27

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Havaí emprega mosquitos geneticamente alterados para proteger aves ameaçadas de extinção
(Imagem de reprodução da internet).

Em junho, centenas de cápsulas biodegradáveis caíram sobre as florestas do Havaí, nos Estados Unidos. Cada uma, transportada por drone, continha aproximadamente mil mosquitos.

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Não eram mosquitos comuns — eram mosquitos machos de laboratório, não picadores, carregando uma bactéria comum que resulta em ovos que não eclodem quando eles acasalam com fêmeas selvagens. A esperança é que eles ajudem a controlar a população invasora de mosquitos do arquipélago, que está dizimando populações de aves nativas, como os raros melifagos havaianos.

As aves, que são polinizadores e dispersores de sementes importantes e também desempenham um papel central na cultura havaiana, encontram-se em situação crítica. Já existiram mais de 50 espécies conhecidas de melídeos no Havaí, mas atualmente restam apenas 17, sendo a maioria ameaçada de extinção.

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Em 2023, o akikiki, um pássaro cinzento, foi funcionalmente extinto na natureza, e acredita-se que permaneçam menos de 100 indivíduos do Ê»akekeÊ»e, de coloração amarelo-esverdeada.

De acordo com Chris Farmer, diretor do programa do Havaí da American Bird Conservancy (ABC), a “ameaça existencial” é a malária aviária, transmitida por mosquitos.

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Os insetos não são nativos do Havaí, mas foram relatados pela primeira vez em 1826, provavelmente trazidos involuntariamente por navios baleeiros. “Eles causaram ondas de extinção”, diz Farmer, já que muitas aves nativas, como os melídeos, não tinham resistência à doença.

Ele explica que, devido à prosperidade dos mosquitos nos habitats tropicais mais quentes das baixas áreas das ilhas havaianas, os melíferos remanescentes encontraram abrigo nas montanhas mais altas de ilhas como Maui e Kauai.

“Agora, isso está mudando. Com as mudanças climáticas, estamos vendo temperaturas mais altas e observando os mosquitos subirem as montanhas”, diz ele. “Em lugares como Kauai, estamos observando as populações de aves simplesmente despencarem.”

A ascensão contínua de mosquitos com o aumento das temperaturas, e o deslocamento progressivo de aves em direção a áreas cada vez mais elevadas até esgotamento de locais habitáveis.

“Se não interrompermos esse ciclo, perderemos nossas trepadeiras”, acrescenta.

Em busca de uma solução.

Defensores buscam uma solução para regular as populações de mosquitos e garantir a sobrevivência das árvores. No entanto, controlar os mosquitos em larga escala é complexo, conforme explica Farmer, que ressalta que o emprego de pesticidas, por exemplo, também afetaria populações de insetos nativos como libélulas e moscas-das-frutas, que são essenciais para os ecossistemas.

Devido aos mosquitos representarem uma grande ameaça à saúde humana, ao transmitirem a malária, a dengue e o zika, entre outros vírus, cientistas têm estudado o problema há décadas, desenvolvendo diversas soluções, incluindo a técnica do inseto incompatível (IIT).

Consiste na liberação de mosquitos machos que carregam uma cepa de bactéria naturalmente presente, denominada Wolbachia, a qual provoca a inviabilidade dos ovos quando ocorre o acasalamento com fêmeas nativas. Ao longo do tempo, com as liberações repetidas, a população selvagem deve ser reduzida.

Em 2016, a ABC, em colaboração com a Birds, Not Mosquitoes, uma parceria multiagências focada na proteção dos melídeos havaianos, concluiu que a IIT apresentava a maior probabilidade de sucesso no Havaí e iniciou uma análise sobre a aplicação da mesma técnica aos mosquitos que carregam a malária aviária.

O mosquito que transmite a malária aviária é distinto daquele que transmite a malária humana, explica Farmer, então eles começaram a testar diversas cepas de Wolbachia nos mosquitos domésticos do sul encontrados no Havaí para determinar qual era mais eficaz.

O processo demandou vários anos, em razão de “uma combinação de ciência, engajamento comunitário e processo regulatório”, afirma Farmer, adicionando que, naturalmente, “sempre que você diz ‘quero liberar milhões de mosquitos na floresta’”, as pessoas têm muitas perguntas muito legítimas.

Em 2022, iniciaram o aumento da produção, gerando milhões de mosquitos com a linhagem Wolbachia selecionada em um laboratório na Califórnia. No ano subsequente, começaram a liberar os insetos em áreas onde o dengue vive, lançando-os em cápsulas biodegradáveis por meio de helicópteros.

“Temos uma estimativa aproximada da população de mosquitos na natureza e tentamos liberar dez vezes mais desses mosquitos com Wolbachia, para que encontrem as fêmeas e possam se acasalar com elas, impedindo que seus ovos eclodam”, afirma Farmer.

Adiciona ele, utilizando drones e helicópteros, que estamos liberando 500.000 mosquitos por semana em Maui e 500.000 mosquitos por semana em Kauai.

De acordo com Farmer, representa o primeiro caso global de IIT aplicado à conservação. Caso tenha sucesso, ele espera que sirva de inspiração para outros locais.

Contudo, ele alerta que, no Havaí, a confiança na técnica se deve ao fato de que os mosquitos são uma espécie invasora presente há apenas 200 anos e, por conseguinte, não exercem nenhuma função ecológica relevante, enquanto em outros países onde são nativos, a técnica poderia ter consequências não intencionais para o ecossistema.

Gerenciar o tempo de forma eficaz.

A principal dificuldade para o lançamento de insetos no Havaí reside no terreno distante e acidentado, com ventos fortes e clima instável. O programa depende, em grande parte, de helicópteros para as liberações, porém estes são dispendiosos para operar e há uma quantidade restrita no arquipélago, com demandas concorrentes para combate a incêndios, segurança e turismo, afirma Farmer. Frequentemente, as missões precisam ser canceladas no último minuto devido às condições climáticas, ele adiciona.

É ali que os drones entram. Após meses de testes dos veículos aéreos em condições exigentes, avaliando seu alcance e projetando pacotes protetores com temperatura controlada que podem transportar mosquitos com segurança e serem fixados na fuselagem, eles iniciaram com sucesso a implantação de mosquitos por drone em junho.

“É a primeira instância conhecida de cápsulas especializadas de mosquitos sendo lançadas por drones”, diz Adam Knox, gerente de projeto para implantação aérea de mosquitos da ABC. “Temos mais flexibilidade com o tempo de implantação em áreas que geralmente têm clima muito imprevisível e é mais seguro porque nenhum humano precisa voar na aeronave para liberar os mosquitos.”

Além de reduzir custos, tempo de voo da equipe, emissões e ruído, o que por sua vez implica em implantações mais baratas e sustentáveis, ele acrescenta.

O agricultor acredita que levará aproximadamente um ano para se observar os resultados das implementações e se a técnica IIT está funcionando. Contudo, ele demonstra otimismo quanto a isso auxiliar na recuperação das aves.

Uma pesquisa recente da San Diego Zoo Wildlife Alliance e do Smithsonian’s National Zoo & Conservation Biology Institute revelou que ainda há possibilidade de evitar a extinção de espécies como o Ê»akeke»e, caso as medidas de controle de mosquitos IIT sejam eficazes.

Christopher Kyriazis, pesquisador pós-doutorado da San Diego Zoo Wildlife Alliance e autor principal do relatório, declarou à CNN que sua modelagem evidenciou a urgência da situação: “Se você esperar mesmo alguns anos, a janela se fecha muito rapidamente”.

A IIT considera que “existe esperança para as espécies, se puder ser eficaz”.

Se as populações de mosquitos fossem controladas, seria possível que os insetos se recuperassem com maior diversidade genética, e até mesmo desenvolvessem sua própria resistência à malária aviária. Já existem indícios disso ocorrendo com uma espécie de melífero, o “amakihi”, na Ilha do Havaí, afirma Farmer.

Contudo, Kyriazis alerta que “mesmo que uma mutação (protetora) surgisse neste momento, é muito improvável que ela seja capaz de se espalhar pela população rapidamente o suficiente para salvá-la”.

Um ambiente mais seguro também possibilitaria a reintrodução de populações de aves como o “akikiki”, embora esteja extinto na natureza. Alguns indivíduos estão sendo criados em centros de conservação de aves no Havaí.

Para Farmer, acompanhar este trabalho e observar a extinção de aves é “devastador para a alma”, mas também o motiva.

“Temos a habilidade de preservar essas espécies”, ele afirma. “Se não salvarmos essas aves nesta década, então elas provavelmente não estarão aqui para o futuro. E assim, a capacidade de fazer a diferença no mundo, fazer a diferença no futuro, nos motiva a todos.”

A ciência permite a recuperação de animais extintos.

Fonte por: CNN Brasil

Fluente em quatro idiomas e com experiência em coberturas internacionais, Ricardo Tavares explora o impacto global dos principais acontecimentos. Ele já reportou diretamente de zonas de conflito e acompanha as relações diplomáticas de perto.