Governo chinês investiga casos de envenenamento por chumbo em creche
Gerou-se grande desconfiança no governo local e nas apurações oficiais.

O caso em que mais de 200 crianças de uma escola infantil no noroeste da China apresentaram níveis anormais de chumbo no sangue, está expondo uma grande desconfiança no governo local, com a população questionando os resultados de uma investigação oficial.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
As autoridades municipais de Tianshui, na província de Gansu, anunciaram, no início da semana, a detenção de oito indivíduos, incluindo o diretor do Jardim de Infância Heshi Peixin. A investigação revelou que 233 estudantes foram expostos ao chumbo após funcionários da cozinha da escola utilizarem tinta não comestível com a substância tóxica como corante alimentar.
O incidente provocou nova indignação em um país historicamente marcado por escândalos ligados à segurança alimentar e ambiental.
Leia também:

Em Minas Gerais, foram encontradas câmeras destinadas ao monitoramento do tráfico de drogas

Programa de bolsas de mestrado no Reino Unido anuncia cronograma

Técnico é condenado a prisão preventiva por ter auxiliado em ataque à empresa C&M
Entretanto, nos dias seguintes, o ocorrido também gerou desconfiança pública em relação à condução oficial desses casos, em um sistema com pouca fiscalização independente e os servidores sob pressão para solucionar os problemas com celeridade.
No início da pandemia de Covid-19 na cidade de Wuhan, na China, autoridades locais detiveram indivíduos que alegavam ter tentado alertar sobre a disseminação do vírus, ao mesmo tempo em que os responsáveis por essa área diminuíam a importância do surto.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Nas redes sociais, há questionamentos sobre a confiabilidade do relatório do governo e de trechos da cobertura da mídia estatal. Certas discussões parecem ter sido suprimidas online, em um cenário midiático chinês rigidamente controlado, ainda que outros artigos que abordam a situação permaneçam disponíveis.
Uma mãe da cidade, cujos filhos não frequentam a escola que está no centro da investigação oficial, relatou à CNN a desconfiança entre as famílias locais em relação às conclusões do governo.
“Todos os pais acreditam que a comida não é a verdadeira fonte do envenenamento por chumbo). Mas não sabemos as razões exatas… como podemos saber de alguma coisa?”, disse a mãe, que preferiu não ser identificada por medo de retaliação do governo local, em entrevista por telefone à CNN.
“Cidadãos comuns como nós provavelmente não têm ideia — só o governo sabe o que realmente está acontecendo”, acrescentou.
A CNN tentou diversas vezes contatar o governo de Tianshui para obter esclarecimentos e também enviou um fax ao Escritório de Informação do Conselho de Estado da China. No relatório divulgado na terça-feira (8), o governo informou que a investigação segue em andamento e que oficiais da Comissão Nacional de Saúde e de outros órgãos do governo central participam da apuração.
Dúvidas que parecem alarmantes.
As principais preocupações surgidas nas discussões online referem-se a possíveis discrepâncias significativas entre os resultados dos exames de sangue obtidos em Tianshui e os realizados em hospitais de Xiâan, cidade de uma província vizinha, onde alguns pais enviaram seus filhos para realizar os testes. Os resultados dos exames de Tianshui nunca foram divulgados publicamente.
Uma mãe de uma aluna do jardim de infância relatou que um departamento local em Tianshui informou que os níveis de chumbo no sangue de sua filha estavam normais, porém um hospital em Xiâan identificou níveis de chumbo no sangue de 528 microgramas por litro, conforme reportagem da CNR (China National Radio). As diretrizes oficiais da China classificam esse valor como “intoxicação grave por chumbo”.
A mídia estatal reportou que 70 crianças testadas em Xiâan apresentaram níveis de chumbo no sangue acima do limite para intoxicação, sendo que seis desses casos ultrapassaram 450 microgramas por litro. Os resultados completos de todos os alunos com níveis anormais não estavam disponíveis publicamente.
A investigação revelou que as autoridades locais coletaram amostras em uma creche e três escolas vinculadas, analisando alimentos, água, solo externo e demais materiais e equipamentos.
Duas amostras de alimentos – um bolo e um pão de milho – em uma escola infantil apresentaram níveis de chumbo superiores a 2.000 vezes acima do padrão nacional de segurança alimentar para contaminação.
Mas isso não afastou as dúvidas. “As crianças só comem bolo de jujuba colorido no vapor e rolinhos de linguiça de milho uma ou duas vezes por semana, como poderiam ser intoxicadas tão gravemente?”, disse uma mãe, que se identificou apenas pelo sobrenome Wu, CNR.
Sites independentes na internet que abordam o caso alcançaram dezenas de milhares de visualizações. Certas discussões aparentemente foram censuradas na internet, no contexto do ambiente midiático rigidamente controlado da China, ainda que outros artigos que examinam a situação permaneçam disponíveis.
Certas publicações suscitaram dúvidas, incluindo o motivo pelo qual a escola, que, segundo as autoridades, utilizava tinta para “atrair mais matrículas e aumentar a receita”, não teria empregado corante alimentar simples, que em lojas online costuma ser mais acessível do que pigmento industrial.
Outros levantaram dúvidas sobre a veracidade de um vídeo editado de circuito fechado, publicado pela mídia estatal, que supostamente demonstrava o emprego de corante na cozinha da instituição de educação infantil.
As preocupações locais também foram intensificadas pela memória de um escândalo de intoxicação por chumbo em 2006, na mesma região de Tianshui. Naquela época, mais de 200 moradores da vila foram encontrados com níveis elevados de chumbo no sangue durante exames realizados fora da cidade de Tianshui, conforme um relato da mídia estatal da época. A origem daquele caso de intoxicação por chumbo nunca foi oficialmente esclarecida.
O caso corrente despertou o interesse de personalidades relevantes no ambiente digital chinês, como Hu Xijin, ex-editor-chefe da mídia estatal Global Times.
Questões sobre poluição ambiental são válidas, mas aqueles que levantam tais preocupações precisam manter objetividade na análise e não devem tratar dessas dúvidas associativas como alarmes urgentes a serem divulgados pela sociedade.
Contudo, ele também acrescentou que é “fundamental que as autoridades forneçam informações amplas para fortalecer a confiança pública”.
O professor Stuart Khan, diretor da Escola de Engenharia Civil da Universidade de Sydney, afirmou à CNN que concentrações elevadas de chumbo no sangue, como as mencionadas em reportagens da mídia estatal sobre o caso, “normalmente exigiriam exposição regular por várias semanas a meses, a menos que haja um episódio de envenenamento muito agudo” e que os níveis podem aumentar progressivamente com a “exposição ambiental contínua”.
Khan afirmou que fontes potenciais de contaminação, como alimentos, solo ou água, poderiam ser descartadas por meio de avaliações na comunidade e nos familiares das crianças para identificar quem está predominantemente afetado, ressaltando que ele não está envolvido neste caso.
O envenenamento por chumbo representava, antigamente, um problema mais comum na China.
Em 2010, o governo central alocou recursos específicos para a prevenção da poluição por metais pesados, em decorrência de pelo menos 12 ocorrências de grande magnitude no ano anterior, que resultaram em mais de 4.000 indivíduos com níveis elevados de chumbo no sangue, conforme reportado pela mídia estatal.
Fonte por: CNN Brasil
Autor(a):
Bianca Lemos
Ambientalista desde sempre, Bianca Lemos se dedica a reportagens que inspiram mudanças e conscientizam sobre as questões ambientais. Com uma abordagem sensível e dados bem fundamentados, seus textos chamam a atenção para a urgência do cuidado com o planeta.