Escritórios estrangeiros no caso Mariana geram choque entre sistemas jurídicos. O professor Luiz Fontoura Costa critica modelo de “class action” e captação de clientes. OAB analisa representação ética sobre atuação no caso
A atuação de escritórios estrangeiros no desastre da barragem de Mariana, em Minas Gerais, expôs um choque entre sistemas jurídicos e gerou questionamentos sobre a forma como esses escritórios captavam clientes no Brasil. O advogado e professor titular da Faculdade de Direito da USP, Luiz Fontoura Costa, abordou o tema durante o “Soberania nacional: limites de jurisdições estrangeiras e os impactos para o Brasil”, promovido pelo Poder360.
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Fontoura Costa destacou que o modelo utilizado por escritórios de Londres e Inglaterra, onde um mecanismo comum, chamado “class action”, é amplamente utilizado, não existe no Brasil. Nesses casos, os escritórios organizam as vítimas, conduzem processos coletivos e recebem um percentual da indenização apenas se a ação for bem-sucedida.
Ele enfatizou que essa prática, que envolve a captação ativa de clientes e o financiamento de ações coletivas, é proibida pela ética da advocacia.
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O professor explicou que o modelo de “class action” envolve dois elementos centrais que entram em choque com as regras brasileiras: a captação ativa de clientes e o financiamento da litigância. No Brasil, a captação de clientela é vedada pelos advogados, que não podem procurar potenciais clientes, oferecer serviços jurídicos ou prometer ganhos financeiros decorrentes de processos.
Essa restrição é estabelecida pelo Código de Ética da profissão.
Fontoura Costa exemplificou a situação com um processo hipotético contra uma companhia de saneamento básico. Ele descreveu como, em um “class action” típico, uma estrutura de financiamento é estabelecida: “Eu sei que entregaram água de má qualidade no bairro onde o professor Ingo mora.
E eu sei que lá são 1.000 vizinhos. Então eu procuro o Guilherme [Waltenberg, editor sênior do Poder360 e mediador do seminário] e falo: ‘Guilherme, me libera aí R$ 100 mil que eu tenho 1.000 vizinhos. Com esses R$ 100 mil eu consigo chamar eles, levar eles, pagar um café para eles assinarem o contrato aqui que vão litigar com a gente.
A gente entra com ação contra a companhia de água e a gente vai ganhar R$ 10 milhões, aí 30% fica com você, tudo bem?’”
O Poder360 buscou a OAB para obter uma manifestação sobre a atuação dos escritórios estrangeiros no caso Mariana. A Ordem dos Advogados do Brasil informou que há uma representação ético-disciplinar em tramitação sobre o tema no sistema da entidade, mas que está sob sigilo.
A OAB justificou sua impossibilidade de comentar devido à previsão legal de que processos dessa natureza devem tramitar em sigilo.
A situação expõe um desequilíbrio concorrencial, onde escritórios brasileiros, submetidos às regras da OAB, ficam em desvantagem diante de escritórios estrangeiros que podem captar clientes, o que, na visão de Fontoura Costa, representa um problema ético e jurídico a ser resolvido.
Autor(a):
Gabriel é economista e jornalista, trazendo análises claras sobre mercados financeiros, empreendedorismo e políticas econômicas. Sua habilidade de prever tendências e explicar dados complexos o torna referência para quem busca entender o mundo dos negócios.