Ela não se dobra

Francesca Albanese, relatora da ONU para a Palestina, acusa de genocídio na Faixa de Gaza e se torna alvo do governo Trump.

17/07/2025 17:45

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Ela não se dobra
(Imagem de reprodução da internet).

A jurista italiana Francesca Albanese tornou-se alvo da Casa Branca. Na quarta-feira, 9, o governo Trump anunciou sanções contra a relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados. Marco Rubio, secretário de Estado norte-americano, descreveu as medidas como uma ação contra “esforços ilegítimos e vergonhosos de induzir a ação da Corte Criminal Internacional contra oficiais, companhias e executivos dos EUA e Israel. A campanha de guerra política e econômica não mais será tolerada”. Todos os ativos de Albanese nos Estados Unidos estão congelados e suas viagens ao país estão proibidas.

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O cargo de Relator Especial para o enquadramento da Questão foi criado em fevereiro de 1993, em reação às violações israelenses após o fim da Primeira Intifada, incluindo mortes e ferimentos de civis causados pelo exército, restrições econômicas e demolições de residências. A função é exercida por um “especialista independente”. Albanese, que tomou posse em maio de 2022, é a primeira mulher a ocupar o cargo. Advogada de direitos humanos com mais de duas décadas de experiência em direito internacional e direitos humanos, a italiana passou quatro anos em Genebra como oficial do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e trabalhou na Agência de Assistência para Refugiados Palestinos em Jerusalém.

As sanções do governo Trump representam uma retaliação pública, divulgada em 30 de junho, do estudo Da Economia de Ocupação para a Economia do Genocídio. O texto, elaborado por Albanese, detalha a extensão da participação de empresas e companhias israelenses e estrangeiras no massacre de palestinos. A relatora aponta a lógica central e preocupante: a limpeza étnica persiste devido à sua lucratividade para muitos.

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A lógica econômico-financeira que acompanha as operações em Gaza e Cisjordânia há quase dois anos se reflete no orçamento de defesa israelense, que, após outubro de 2023, foi dobrado devido a uma “rede internacional de corporações” que, em períodos de queda na demanda, produção e confiança do consumidor, impulsionou a economia do país. As gigantes de gestão de investimentos BlackRock e Vanguard são grandes investidoras em empresas envolvidas no genocídio palestino. A BlackRock é a segunda maior investidora na Palantir (8,6%), Microsoft (7,8%), Amazon (6,6%) e a terceira maior na Lockheed Martin (7,2%). A Vanguard é a maior investidora na Caterpillar (9,8%), fornecedora de máquinas para a demolição de casas, e a segunda maior na Lockheed Martin (9,2%) e na israelense Elbyt Systems (2%).

A emissão de títulos do Tesouro israelense desempenhou um papel crucial no financiamento da ofensiva em Gaza. Entre 2023 e 2024, o orçamento do exército israelense dobrou, passando de 4,2% para 8,3% do PIB. Tel-Aviv financiou seu déficit através da emissão de ações: 8 bilhões de dólares em 2024 e 5 bilhões em 2025. Grandes bancos, como BNP Paribas e Barclays, iniciaram a aquisição de títulos públicos, impulsionando a confiança nos mercados interno e externo. Empresas de gestão de ativos reuniram 400 investidores de 36 países, permitindo que Israel triplicasse as vendas de títulos a partir de outubro de 2023.

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A Casa Branca anunciou sanções econômicas contra a italiana.

Rubio e Trump agiram não apenas para proteger os bancos, mas também as grandes empresas de tecnologia. A Microsoft, a Alphabet, controladora do Google, e a Amazon tornaram-se aliadas do republicano. Em outubro de 2023, o sistema de nuvem israelense ficou sobrecarregado. Assim, a Microsoft, com a plataforma Azure, e o consórcio do Projeto Nimbus (Amazon, Google e Israel) forneceram a infraestrutura de nuvem e Inteligência Artificial para sustentar o processamento de dados e as capacidades de análise e vigilância sobre milhares de palestinos. No setor de energia, Israel recebeu apoio, principalmente, da BP e da Chevron, as maiores vendedoras de petróleo bruto. A Petrobras, em 2024, enviou um carregamento adicional ao país.

Albanese propõe a imposição de sanções e embargo de armas a Israel, a suspensão ou prevenção de todos os acordos de comércio e relações de investimento, e a imposição de sanções, incluindo o congelamento de ativos, sobre entidades e indivíduos envolvidos em atividades que possam colocar os palestinos em risco, além de impor responsabilidades a entidades corporativas pelas violações do direito internacional.

A Itália não é o primeiro alvo de Trump contra quem busca a responsabilização de Israel. O atual presidente estabeleceu o alicerce inicial da intimidação do sistema judicial internacional com a ordem executiva “Impondo Sanções sobre a Corte Criminal Internacional”. Nesse momento, lançava críticas contra o que considerava “ações sem base e ilegítimas tendo como alvo a América e nosso aliado próximo Israel”. Foram decretadas sanções contra o procurador do tribunal penal, Karim Khan, que havia emitido ordens, ainda vigentes, para a prisão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de Yoav Gallant, ex-ministro da Defesa. No início de junho, as sanções alcançaram outros quatro juízes da Corte. As sanções dos EUA podem ser vistas como violações internacionais. A Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, adotada em 13 de fevereiro de 1946, da qual Washington é signatária, consagra a imunidade dos relatores especiais contra qualquer processo judicial. E as sanções impostas a Albanese se enquadram na definição de “processo judicial”.

A secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, manifestou-se em apoio a Albanese. “Esta é uma agressão clara e evidente aos princípios fundamentais da justiça internacional”, declarou. “Os relatores especiais não são nomeados para satisfazer governos ou para serem populares, mas para cumprir seu mandato. O mandato de Francesca Albanese é defender os direitos humanos e o direito internacional, essenciais num momento em que a própria sobrevivência dos palestinos na Faixa de Gaza ocupada está em risco”. Jürg Lauber, presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, lamentou a decisão de Washington e apelou a todos os integrantes do sistema das Nações Unidas “para que cooperem plenamente com os relatores especiais e os titulares de mandatos do conselho e se abstenham de quaisquer atos de intimidação ou retaliação contra eles”.

Albanese, em coletiva na Eslovênia, declarou: “Sou a primeira funcionária da ONU sob sanções. Por ter exposto o genocídio? Por denunciar o sistema? Eles nunca me questionaram sobre os fatos que apresentei. Em vez disso, foram reclamar para a administração dos EUA. Isso demonstra quem eles são. Eu vou continuar a fazer o que tenho de fazer. Sim, será desafiador. Sou apenas um ser humano. Mas, se eu posso fazer isso, todos podem também. Juntos podemos suportar essa pressão. E juntos podemos superar esse genocídio.”

Publicado na edição nº 1371 de CartaCapital, em 23 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Ela não se curva”.

Fonte por: Carta Capital

Ana Carolina é engenheira de software e jornalista especializada em tecnologia. Ela traduz conceitos complexos em conteúdos acessíveis e instigantes. Ana também cobre tendências em startups, inteligência artificial e segurança cibernética, unindo seu amor pela escrita e pelo mundo digital.