Debate sobre o Imposto Seletivo e Saúde Pública
A implementação do Imposto Seletivo (IS) sobre bebidas açucaradas reacendeu um debate importante na reforma tributária: até que ponto uma medida apresentada como política de saúde pública pode funcionar, na prática, como um mecanismo de arrecadação?
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Embora o discurso oficial relacione o tributo ao combate a doenças crônicas, especialistas apontam falhas técnicas e a falta de vinculação orçamentária, o que fragiliza a legitimidade da cobrança.
Essas questões alimentam a percepção de que o imposto é uma “arrecadação disfarçada de saúde pública”. A Constituição permite que o Imposto Seletivo tenha uma finalidade regulatória, voltada para bens que causam danos à saúde ou ao meio ambiente.
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No entanto, a aplicação da LC 214/2025 gera incertezas.
Contradições e Incoerências
Para Lina Santin, sócia do escritório Heleno Torres Advogados e especialista em direito tributário, o desenho do imposto apresenta uma contradição. Enquanto os refrigerantes são taxados, o açúcar refinado, que é muito mais consumido, foi incluído na cesta básica e isento de IBS e CBS.
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Essa incoerência compromete a legitimidade da medida, evidenciando uma decisão mais simbólica do que técnica.
Um dado relevante aponta que 78,9% do açúcar consumido no Brasil provém de alimentos e açúcar de mesa, e não de bebidas, conforme a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE. Apesar disso, apenas as bebidas adoçadas foram incluídas no Imposto Seletivo.
Santin destaca que a falta de critérios objetivos na lei pode resultar em discriminação setorial, já que outros produtos ultraprocessados com riscos semelhantes não foram considerados.
Desafios de Governança e Impactos Sociais
A ausência de vinculação orçamentária intensifica a preocupação. De acordo com a Constituição, a receita do imposto não pode ser destinada a políticas específicas. Para a advogada, isso gera um descompasso entre o discurso e a prática. Se o argumento é que a taxação visa financiar o combate a doenças crônicas, mas a receita entra no caixa único sem transparência, isso gera uma tensão com o princípio da boa-fé.
No aspecto distributivo, o imposto levanta alertas, pois seu impacto recai desproporcionalmente sobre as classes C, D e E. Santin observa que essa regressividade contrasta com a capacidade contributiva, uma vez que famílias de baixa renda gastam mais proporcionalmente com alimentação.
Sem contrapartidas, como políticas de acesso a alimentos saudáveis, o IS pode ser visto como um “imposto do pecado dos pobres”.
Insegurança Jurídica e Comparações Internacionais
A insegurança jurídica é outro ponto crítico. A lista de produtos considerados “nocivos” passou por várias alterações durante a tramitação legislativa, o que pode gerar arbitrariedades e incertezas regulatórias. Santin defende a necessidade de critérios claros e avaliações periódicas antes de qualquer mudança nas alíquotas ou categorias.
Ao analisar experiências internacionais, as diferenças se tornam claras. Renata Emery, sócia e co-head da área Tributária de TozziniFreire Advogados, destaca que mais de 100 países já implementaram algum tipo de tributação específica para esse setor.
No entanto, o Brasil se distancia desse padrão pela falta de critérios claros e governança. Políticas eficazes requerem coerência entre os objetivos e o desenho regulatório.
Conclusão
A soma de incoerências regulatórias, impactos regressivos e falta de transparência reforça a ideia de que o Imposto Seletivo, como está estruturado, atua mais como um mecanismo de arrecadação do que como uma política de saúde pública. O debate revela que a credibilidade das políticas públicas depende não apenas da conformidade legal, mas também da coerência entre os objetivos, instrumentos e efeitos gerados.
