Clara Charf: trajetória de luta marcada pela defesa da democracia

Clara foi companheira de Carlos Marighella, assassinado pela ditadura em 1969.

17/07/2025 18:39

8 min de leitura

Clara Charf: trajetória de luta marcada pela defesa da democracia
(Imagem de reprodução da internet).

Força, sorriso aberto, obstinância e uma estrada construída por paixões. Apaixonada pela liberdade, pela família, por um grande amor e pelo país. Quem acompanhou a trajetória da ativista brasileira Clara Charf, que completa, nesta quinta-feira (17), 100 anos de idade, a descreve como uma mulher à frente do seu tempo.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Aqueles que a acompanharam em algum momento descrevem Clara como uma mulher que necessitou se reinventar e superar momentos difíceis, incluindo a prisão, o assassinato de seu companheiro Carlos Marighella, o exílio e novas oportunidades.

Atualmente, Clara apresenta apenas lapsos de memória, conforme relata a irmã mais nova, Sara Grinspum, de 94 anos. Elas residem juntas em São Paulo. Sarita, como é chamada em casa, afirma que Clara foi uma companheira sempre presente, especialmente após a morte precoce da mãe, Ester, vítima de tuberculose aos 40 anos.

Leia também:

“Minha irmã sempre valorizou muito a liberdade e o desejo de auxiliar outras pessoas”, declarou Sarita, em entrevista à Agência Brasil. Clara, referência e ídolo da irmã, não foi mãe. “Na vida dela, não existia isso”, explicou.

Perturbada.

A documentarista Isa Grinspum Ferraz, diretora do aclamado documentário Marighella (2012), sobre o guerrilheiro assassinado pela ditadura militar em 1969, afirma que Clara possui uma trajetória de 100 anos, marcada por uma vida intensa. “Desde sempre, Clara foi uma pessoa inquieta, que desejava mudar o mundo e ser uma mulher livre”, declara.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

A neta lembra que Clara desejava (e obteve) ser aeromoça nas décadas de 1940, período em que a profissão enfrentava estereótipos. “Ela queria voar, ser livre, criar coisas e [tinha] uma preocupação social muito forte, muito grande”. Isa considera que a tia possui uma trajetória exemplar ao se filiar ao movimento por justiça desde os 16 anos.

Após ingressar no Partido Comunista Brasileiro, Clara se casou em 1947 com o também ativista Carlos Marighella. Após o golpe militar, o guerrilheiro, nos últimos anos de vida, participou da luta armada, o que fez Clara temer muito pelo seu destino. Ela também foi perseguida por agentes da ditadura e foi presa. “Clara é uma mulher apaixonada pelo Brasil, pela América Latina e pelas lutas dos povos do mundo por melhores condições de vida”, revela Isa.

Exilada.

Isa Grinspum reconhece que a tia experimentou dores profundas devido à perda do parceiro, vítima da repressão em São Paulo. Contudo, ela avalia que sempre foi uma pessoa muito otimista e alegre.

Após o assassinato de Marighella, Clara se exilou em Cuba, em um período em que o Brasil estava sob a legislação repressiva do ato institucional número 5 (AI-5), que revogava todas as liberdades individuais. Marighella era o principal alvo da ditadura. Sua companheira, por consequência, também era perseguida.

Para nós, as crianças da família, sempre foi muito difícil estar longe da tia Clara. Ela passou 10 anos no exílio. Para nós, era um vazio, revela. A família ficou seis anos sem notícias. Fomos reencontrá-la depois, em 1975, em Portugal. Foi um encontro muito emocionante, recorda a sobrinha.

Clara também é mencionada pela irmã, Sara, como um dos grandes momentos de sua vida. “Quando a vimos, nos abraçamos muito e estávamos todos emocionados. É inesquecível”, disse. Clara retornou ao Brasil em 1979, após a lei de anistia.

A defesa da democracia é um esforço contínuo para garantir os princípios de liberdade, igualdade e participação cidadã, assegurando o funcionamento de instituições democráticas e o respeito aos direitos fundamentais.

Após retornar ao Brasil, Clara se dedicou à luta política. Ela aproximou-se da causa das mulheres, das liberdades, dos direitos e por uma condição social sempre mais justa e igualitária. Justiça é uma palavra importante para Clara. Inclusive, foi candidata a deputada estadual em 1982, pelo Partido dos Trabalhadores, recebeu 20 mil votos, mas não se elegeu.

Nordestina, descendente de judeus.

Clara Charf, a mais velha de três irmãs, nasceu em Maceió, em Alagoas, após os pais, de origem judaica russa, terem se refugiado da Europa. O pai, Gdal, atuou como mascate. Apesar disso, Clara aprendeu inglês e piano. A família se transferiu para Recife, onde a matriarca Ester faleceu de tuberculose aos 40 anos.

Em razão das dificuldades familiares, a filha mais velha mudou-se para o Rio de Janeiro em busca de trabalho aos 20 anos. Inscreveu-se no Partido Comunista em 1946, sendo que foi lá que conheceu Carlos Marighella, conforme relata o escritor Mário Magalhães na biografia sobre o guerrilheiro.

Ela demonstra que Clara começou vendendo jornais em um bonde. O pai Gdal não aprovava essa ocupação, tampouco o relacionamento com o comunista não-judeu. Contudo, Clara não abandonou o amor. Devido ao domínio do inglês, obteve uma posição como comissária de bordo.

O relacionamento do casal levou ambos a combaterem em conjunto em prol de transformações no Brasil durante a ditadura. Após a morte de Marighella, o exílio forçado e posterior retorno, Clara integrou o Partido dos Trabalhadores pela democracia e também pela luta das mulheres.

Mulheres pela paz

Em 2005, Clara Charf assumiu a coordenação no Brasil do movimento Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, organização originária da Suíça. O objetivo era promover a indicação coletiva de cinquenta e duas mulheres ativistas para o Prêmio Nobel da Paz.

Clara Charf afirmou, em entrevista ao programa Viva Maria, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que se tratou de um grande desafio. “Nós atingimos praticamente todo o país. O Brasil tem tantas mulheres valiosas, que não foi fácil”. Cada mulher selecionada se dedicou a encontrar três jovens para sensibilizá-los sobre a multiplicação do conhecimento e os direitos.

Clara Charf é uma trajetória intensa, que abrangeu desde a experiência como aeromoça até o trabalho como dirigente comunista, passando pela companheirismo com Carlos Marighella e a coordenação de projetos internacionais de paz.

A professora Vera Vieira, atual diretora da Associação Mulheres pela Paz, lembra que foi convidada por Clara quando coordenadora executiva de uma organização não governamental denominada Rede Mulher de Educação. “Existia uma grande afinidade entre nós duas. Ela sempre possuía o poder da oratória e as pessoas a aplaudiam de pé quando ela se aproximava”, relata.

O impacto de Clara na associação é inestimável, segundo Vera Vieira, abrangendo iniciativas de sensibilização sobre os direitos das mulheres. Ela afirma que a falta de recursos financeiros é um obstáculo, mas tem conseguido estabelecer parcerias, como a realizada no ano anterior, que contou com um projeto financiado pelo Ministério das Mulheres contra a violência de gênero. “Estamos na luta em busca de novos projetos”, garante.

Vera ressalta que Clara se dedicou, em parte, devido aos efeitos do Alzheimer que a impediram de viajar ou agir diretamente. “Continuamos a levar a mensagem de Clara Charf, desse conceito ampliado de paz que se baseia na justiça social e na segurança humana”, afirma a dirigente.

A capacidade de ser notado ou encontrado.

Para o centenário, a Associação Mulheres pela Paz busca ampliar a visibilidade da trajetória da ativista. Com o apoio da jornalista Patrícia Negrão, a intenção é arrecadar fundos para publicar um livro com entrevistas de pessoas que conviveram com Clara. Não existe até o momento uma biografia sobre ela. “Ela é uma pessoa muito à frente do seu tempo”, garante.

Outro cineasta, Sávio Tendler, também documenta a história de Carlos Marighella. Ele explica que a busca por denunciar o que ocorreu com o marido de Clara o levou a abrir as memórias do que havia ocorrido. “Ela me dava todos os contatos e facilitou tudo. Até mesmo de pessoas que representavam uma certa dor para ela, ela não se negou a nada e foi muito generosa”, diz o cineasta.

A cineasta Isa Grinspum Ferraz acredita que a trajetória da tia necessita de maior destaque e que artistas podem apresentar uma história fundamental e inédita do país. Isa Ferraz afirma que o forte vínculo emocional com a tia a impede de produzir um novo filme sobre a família. Contudo, sugere que um filme ou um livro sejam realizados o mais breve possível, considerando que ainda existem pessoas que são testemunhas desse percurso.

Clara enfrenta dificuldades de memória, porém, em momentos de clareza, expressa o desejo de melhorar a vida das pessoas e de como poderia auxiliar. Isa relata que a irmã, Sarita, também argumenta pela recuperação de mais relatos de Clara. Em algumas ocasiões, ela proferiu discursos e discutimos sobre os direitos das mulheres. Apesar de ter lapsos de memória, mantemos conversas frequentes. A força, o sorriso e os ideais persistiram ao longo do tempo.

Fonte por: Brasil de Fato

Autor(a):

Com uma carreira que começou como stylist, Sofia Martins traz uma perspectiva única para a cobertura de moda. Seus textos combinam análise de tendências, dicas práticas e reflexões sobre a relação entre estilo e sociedade contemporânea.