Arquitetos islandeses desenvolvem projeto de cidade sustentável construída com lava
Em Veneza, a Bienal de Arquitetura exibe um projeto inovador da Islândia que propõe a construção de cidades utilizando lava, como substituto para o conc…

Originária de vulcões em erupção, a lava tem sido historicamente uma força incontrolável que destrói edifícios e bairros em seu percurso. Contudo, e se essa força pudesse, em vez disso, ser direcionada e utilizada para a construção de cidades completas? Um projeto audacioso da empresa islandesa s.ap arkitektar, apresentado na Bienal de Arquitetura de Veneza neste ano (em exibição até 23 de novembro), propõe exatamente isso.
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A lava, ao resfriar naturalmente e se tornar rocha vulcânica como o basalto, gera o “Lavaforming”, que visualiza o material derretido como uma nova forma de material de construção. A técnica estabelece estratégias para resfriá-lo de maneira controlada, permitindo a criação de paredes, colunas e outros elementos arquitetônicos que possibilitam a construção de novos assentamentos. Em colaboração com parceiros, a s.ap arkitektar produziu um filme que imagina o ano 2150, quando essa tecnologia de construção poderia se tornar realidade, transformando o mundo nesse processo.
Fundada por Arnhildur Páldóttir e operada com seu filho Arnar Skarphéinsson, a s.ap arkitektar tem realizado pesquisas e conduzido testes para investigar como algo que é visto principalmente como uma ameaça pode ser transformado em um recurso renovável capaz de produzir construções sustentáveis. Mas qual a viabilidade do futuro das cidades de lava?
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A Islândia é uma das regiões vulcânicas mais ativas do mundo, localizada em uma fenda entre duas placas tectônicas. Com aproximadamente 30 sistemas vulcânicos, o país experimenta, em média, uma erupção a cada cinco anos. Foi durante uma dessas ocorrências – a erupção de Holuhraun em 2014 – que Pálmadóttir percebeu que havia “uma enorme quantidade de material surgindo do solo”, explicou ela em videochamada da capital Reykjavík. Ela pensou: “uau, poderíamos construir uma cidade inteira em uma semana com isso”.
O projeto “Lavaforming” iniciou-se realmente alguns anos depois como um “experimento mental”, acrescentou Skarphéisson. Também visava ser uma crítica à dependência da indústria da construção em relação ao concreto e às emissões de carbono resultantes de sua produção. (Estima-se que, devido ao aquecimento de cal e argila em altas temperaturas para criar cimento, um ingrediente-chave do concreto, a produção do material responde por aproximadamente 8% das emissões globais de CO2, que contribuem para o aquecimento global e a degradação climática.)
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Acreditamos que a lava pode competir com o concreto, sendo mais sustentável, afirmou Pálmadóttir, acrescentando que a lava “tem todas as materialidades que o concreto tem, dependendo de como ela esfria”. Se a lava esfria rapidamente, explicou Pálmadóttir, ela se transforma em um material duro e vítreo – a obsidiana. Se esfria lentamente, é mais provável que cristalize, o que pode funcionar bem para criar colunas e elementos estruturais. Se a lava esfria rapidamente e também recebe ar, por sua vez, é criado um material semelhante à pedra-pomes, altamente isolante.
A emissão de carbono proveniente da lava vulcânica ocorreria de qualquer forma, independentemente de como é resfriado e utilizado – sendo mais vantajoso aproveitá-lo ao máximo e evitar emissões adicionais provenientes da produção de concreto.
A empresa de arquitetura s.ap propôs três métodos especulativos para converter lava em arquitetura.
Trincheiras meticulosamente planejadas são escavadas à pé de vulcões ativos, de modo que a lava derretida das erupções seja direcionada para dentro delas, onde pode resfriar para formar paredes estruturais ou alicerces para uma cidade; essas trincheiras também poderiam canalizar a lava para uma fábrica que moldaria a lava em tijolos que podem ser transportados e utilizados em outros locais. A expectativa é que, ao redirecionar a lava para as trincheiras, as comunidades vizinhas também sejam protegidas da força destrutiva da lava durante uma erupção.
O segundo método explora a tecnologia de impressão 3D, concebendo robôs de impressão 3D que poderiam percorrer um cenário de lava derretida após uma erupção e utilizar a lava para “imprimir” componentes de edifícios. Contudo, a tecnologia para tais robôs ainda não está disponível.
A terceira técnica consiste em acessar o magma no subsolo, direcionando-o para câmaras novas, projetadas para que ele pudesse resfriar e se transformar em elementos arquitetônicos pré-fabricados e reproduzíveis. A equipe acredita que o acesso a esse magma subterrâneo teria uma abordagem similar à da produção de energia geotérmica – que aproveita o calor do núcleo da Terra e é uma fonte considerável de energia na Islândia. Contudo, a s.ap arkitektar ainda não sabe se tal processo seria geologicamente seguro.
Os arquitetos reconhecem que os aspectos práticos da tecnologia “Lavaforming” ainda não foram totalmente solucionados, exigindo mais estudos e desenvolvimento tecnológico, sem considerar uma maior aceitação.
À medida que o projeto avança, eles percebem que sua proposta está ganhando maior viabilidade. Desde o lançamento do projeto em 2022, a s.ap arkitektar tem se dedicado cada vez mais ao trabalho com cientistas, que utilizam modelos de previsão de fluxo de lava e os visualizam em software 3D, conduzindo simulações de fluxo de lava para erupções na Islândia e realizando “testes de lava” nos quais a rocha vulcânica é aquecida até se tornar lava novamente, e resfriada de forma controlada para desenvolver elementos construtivos protótipos.
A dependência de erupções ancora a proposta no tempo e no espaço, mas a autora acredita que sua ideia pode ter valor na Islândia vulcanicamente ativa, assim como em outros locais onde há “lava de fluxo lento”, afirmou Pálmadóttir, acrescentando que o Havaí é “muito semelhante” à Islândia geologicamente, assim como as Ilhas Canárias no Oceano Atlântico.
A rocha vulcânica não é um material de construção recente — tem sido utilizada ao longo do tempo, como pedra, para elementos estruturais como paredes. Pode ser encontrada em todo o mundo e, após a extração, é utilizada como rochas empilháveis, tijolos, painéis ou triturada em cascalho para ser empregada como agregado em concreto.
O basalto, a rocha vulcânica mais comum, foi empregado na construção de estruturas como o Qasr al-Azraq (“Fortaleza Azul”) do século XIII na Jordânia, o Château d’Anjou do século XV na França, o Portal da Índia (1924) em Mumbai, e a Vinícola Dominus (1997) projetada por Herzog & de Meuron no Vale do Napa, Califórnia. Recentemente, o basalto foi utilizado no Museu Geológico Nashan (2021) em Yangzhou, China, no Radisson Resort & Spa (2023) em Lonavala, Índia, e em uma notável residência particular chamada Casa Basáltica (2023) em Querétaro, México. Os arquitetos valorizam o material por sua resistência, durabilidade, propriedades isolantes, textura robusta e tons frequentemente escuros.
A forma como o s.ap pretende utilizar a rocha vulcânica é bastante distinta, e se baseia em trabalhar com ela em seu estado fundido. O escritório deseja aproveitar a lava como um “monomaterial”, resfriando-a de maneiras controladas e diversas — algo que “nunca foi feito antes”, afirmou Skarphéisson — para alcançar diferentes qualidades materiais em uma única forma, desde blocos sólidos até pedra isolante semelhante à pedra-pomes e folhas semelhantes ao vidro para janelas.
A principal fonte de inspiração do s.ap reside na natureza, conforme afirmou Pálmadóttir, que “cria formas e estruturas a partir da lava desde o início dos tempos”. Ela se refere às cavernas formadas por bolhas na lava após uma erupção do século XVIII na ilha de Lanzarote (parte das Ilhas Canárias), que o arquiteto do século XX César Manrique utilizou como salas subterrâneas para sua própria casa em 1968.
A viabilidade de construirmos cidades feitas de lava depende de questões práticas complexas, incluindo tecnologia, segurança, financiamento e interesse político. No entanto, por ora, a proposta do s.ap busca estimular as pessoas a refletirem sobre o assunto. “Como podemos alterar os sistemas para responder à emergência global (mudanças climáticas)?”, questionou Pálmadóttir. “Como a arquitetura e o ambiente construído precisam abordar isso de forma distinta? Esperamos que outros locais considerem este projeto como uma fonte de inspiração.”
Um vulcão no Havaí lançou lava a mais de 300 metros de altura.
Fluxo de lava avança pela cidade após erupção vulcânica na Islândia.
Fonte por: CNN Brasil
Autor(a):
Ana Carolina Braga
Ana Carolina é engenheira de software e jornalista especializada em tecnologia. Ela traduz conceitos complexos em conteúdos acessíveis e instigantes. Ana também cobre tendências em startups, inteligência artificial e segurança cibernética, unindo seu amor pela escrita e pelo mundo digital.