Análise: Em nova crise, a França parece ter se tornado um país sem governo

A queda do governo do primeiro-ministro François Bayrou pode ocorrer nesta segunda-feira (8) em um voto de desconfiança.

08/09/2025 4:03

6 min de leitura

Análise: Em nova crise, a França parece ter se tornado um país sem governo
(Imagem de reprodução da internet).

O ex-presidente francês Charles de Gaulle, que liderou a França durante a Segunda Guerra Mundial, formulou uma pergunta notória: “Como alguém pode governar um país com 246 tipos de queijo?”

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Após mais de 60 anos, a resposta é: ninguém.

Com mais um governo à beira do abismo, a França parece ter se tornado ingovernável. Na segunda-feira (8), François Bayrouse, com menos de um ano no cargo, pode se tornar o quarto primeiro-ministro a deixar o cargo em menos de dois anos. O destino do governo depende de um voto de confiança no parlamento que, se perdido, deixaria o presidente do país, Emmanuel Macron, mais fraco do que nunca.

Leia também:

Bayrou convocou a votação em uma tentativa de aprovar um plano impopular de cortes de gastos de 44 bilhões de euros, que compreende o cancelamento de dois feriados e o congelamento de despesas. Ele afirma que se trata de uma questão de “soberania nacional”, alertando que a França deve controlar sua dívida, que aumentou “12 milhões de euros por hora nos últimos 20 anos”.

Essas podem ser palavras que visam provocar as classes políticas insurgentes do país a adotarem medidas urgentes, embora a reforma orçamentária tenha sido justamente a que derrubou o ex-primeiro-ministro Michel Barnier. Ela perdurou apenas três meses no cargo e não conseguiu convencer os franceses a aceitarem cortes drásticos nas despesas.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Com a França imersa em crescente instabilidade política, os custos de seus empréstimos estão subindo. Os rendimentos dos títulos do Tesouro a 10 anos ultrapassaram os da Espanha, Portugal e Grécia – países que já estiveram no centro da crise da dívida da Zona do Euro – e se aproximam dos da Itália. A economia enfrenta a pressão crescente, o que contradiz a imagem de homem forte que Macron quer projetar.

Contudo, a instabilidade presente pode ser atribuída à decisão drástica de Macron de convocar eleições antecipadas no ano passado.

O presidente francês, irritado com os expressivos resultados do partido de extrema-direita União Nacional, de Marine Le Pen, nas eleições europeias de maio de 2024, promoveu um pleito parlamentar que fez o próprio partido perder cadeiras para a ultradireita e para a esquerda radical, deixando a França com uma Assembleia fragmentada.

Não era necessário que fosse daquela forma. A Quinta República, estabelecida pelo presidente de Gaulle em 1958, visava extinguir a instabilidade persistente que afetou a França no início do século XX. A nova Constituição atribuiu amplos poderes ao executivo e implementou um sistema majoritário para prevenir governos de curta duração. Consequentemente, por décadas, dois partidos predominantes de esquerda e de direita alternaram-se na liderança.

Macron cancelou essa decisão em 2017, ao se tornar o primeiro presidente eleito sem o apoio dos principais partidos políticos tradicionais. Reeleito em 2022, ele rapidamente perdeu a maioria no parlamento à medida que os eleitores se inclinavam para as posições extremas.

Após isso, houve dois anos de governo instável, em que Macron teve que acionar o artigo 49.3 da Constituição para aprovar leis sem a aprovação da Assembleia. Isso intensificou o descontentamento entre os parlamentares da oposição e entre grande parte da população francesa.

Na disputa eleitoral de 2024, a esquerda obteve a maior quantidade de cadeiras no segundo turno, porém não atingiu a maioria. As chances de formar um governo minoritário foram frustradas com a recusa de Macron em aceitar a indicação da esquerda para a posição de primeiro-ministro.

Diferentemente da Alemanha ou da Itália, a França não possui tradição de formar coligações, visto que a política tem sido moldada por mais de 60 anos por um sistema dominado pela presidência.

E agora, qual o próximo passo?

Se Bayrou cair, a pressão para que Macron renuncie aumentará, ainda que o presidente tenha prometido concluir seu mandato integral. A líder de extrema-direita Marine Le Pen exige a dissolução do parlamento, porém novas eleições provavelmente fortaleceriam seu partido, a União Nacional, e aprofundariam a fragmentação da Assembleia.

Seria possível que Macron indicasse um governo interino durante a avaliação de um novo líder. Os nomes mais apontados seriam o ministro das Forças Armadas, Sébastien Lecornu, e o Ministro da Justiça, Gérald Darmanin.

A questão é que, após três primeiros-ministros centristas com desempenho insatisfatório, os partidos da oposição não estão dispostos a conceder uma nova chance a mais ninguém. Tanto a extrema-direita quanto a esquerda radical manifestaram a intenção de solicitar um voto de desconfiança imediatamente.

Seria possível indicar um primeiro-ministro mais à direita ou à esquerda, porém tal decisão seria impeditiva pela outra vertente política.

O cenário político é preocupante. Uma nova eleição parlamentar antecipada, conforme aponta uma pesquisa recente da Elabe, indicaria que a União Nacional lideraria, seguida pela esquerda e com o centro em terceiro lugar, significativamente atrás.

Muitos acreditam que a ultradireita acabará conquistando o poder – se não agora, então nas próximas eleições presidenciais em 2027, mas com poucas expectativas de que isso resolveria a turbulência. A confiança pública na classe política entrou em colapso, e a raiva será refletida nas ruas no dia 10 de setembro, com protestos em nível nacional sob a bandeira Bloquons tout (“vamos parar tudo”).

Isto ocorre no pior momento possível, em meio às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. A instabilidade em Paris é um presente tanto para o presidente russo, Vladimir Putin, quanto para o presidente dos EUA, Donald Trump, que ridicularizam as fraquezas da Europa.

Dominique Moïsi, analista sênior do Instituto Montaigne, sediado em Paris, afirma não recordar um momento de impasse tão profundo na Quinta República.

Ele afirmou à CNN que “De Gaulle sobreviveu às tentativas de assassinato, houve a guerra da Argélia, em maio de 1968 o slogan era ‘la France s’ennuie’ (a França está entediada). Mas hoje a França está frustrada, furiosa, cheia de ódio contra a elite”.

A transformação parece inevitável, porém não consigo discernir como ela ocorrerá e quem assumirá a responsabilidade. Estamos em um período de transição entre um sistema ineficiente e um que permanece desconhecido.

Macron se tornou o presidente que, por sua vez, encerrou o período de estabilidade iniciado por De Gaulle em 1958, com a implementação da Quinta República.

Fonte por: CNN Brasil

Autor(a):

Lucas Almeida é o alívio cômico do jornal, transformando o cotidiano em crônicas hilárias e cheias de ironia. Com uma vasta experiência em stand-up comedy e redação humorística, ele garante boas risadas em meio às notícias.