Os ataques israelenses em Damasco geraram a chance de um novo conflito entre países da região do Oriente Médio; no entanto, os atos de violência interna…
Após a queda de Bashar al-Assad, o governo interino sírio é liderado por Mohammad al-Julani, combatente jihadista de longa data que recentemente estava na lista de terroristas mais procurados pelos Estados Unidos. Sua atuação implacável ao liderar um dos braços da Al Qaeda na Síria o transformou em uma liderança temida internamente, o que gerou preocupação com o surgimento de uma teocracia fundamentalista islâmica governando um dos países mais estratégicos do Oriente Médio. Ao chegar em Damasco, al-Jolani abandonou o apelido de guerra, retomou seu nome civil, Ahmed al-Sharaa, vestiu terno e gravata e iniciou o contato com antigos adversários na região.
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A nova vestimenta introduzida visava projetar a moderação e afastar-se dos radicais que marcaram o país nas últimas duas décadas. Inicialmente, tal estratégia obteve sucesso considerável, visto que Donald Trump elogiou publicamente após um encontro pessoal e diversas sanções econômicas foram removidas da Síria. No entanto, a natureza jihadista de seus adeptos e a visão supremacista sunita não foram substituídas com o novo vestuário.
A Síria é uma nação que no passado foi religiosamente muito diversa, onde cristãos ortodoxos e católicos, viviam lado a lado com muçulmanos sunitas, muçulmanos alauítas e drusos. Com o passar dos anos, e principalmente com a guerra civil, as minorias religiosas foram encolhendo, enquanto os sunitas cresciam em sua população e em suas demandas. O governo Assad, era uma ditadura alauítas governando um país sunita, mas onde as questões religiosas nunca estiveram em um pilar central das políticas de Hafez e Bashar, por serem convictamente secularistas. A chegada ao poder de um grupo designado por múltiplos anos como terrorista, se mostrou uma enorme quebra de paradigma interna e externamente.
Em 2025, foram registrados inúmeros casos de violência contra a comunidade alauítas na costa síria, nas proximidades da cidade de Latakia. Justificadas como punição a aliados do antigo regime, as execuções e torturas, possuíram inegavelmente motivações sectárias. Da mesma forma, relatos de violência e mortes na comunidade milenar de cristãos na Síria ganharam manchetes internacionais, inclusive com um terrível ataque terrorista em junho que vitimou 25 pessoas e feriu dezenas em Damasco. Por fim, a última minoria religiosa a ser alvo desde o início do governo do HTS, foram os drusos.
Os drusos são etnicamente árabes, porém desde o século XI seguem sua própria religião monoteísta e de caráter mais exótico. Por serem uma comunidade fechada, endogâmica e pequena em número, preferem viver de forma discreta, sendo muito leais aos estados nacionais onde estão inseridos. A comunidade drusa na Síria ultrapassa as 700 mil pessoas, mas é em Israel, com 150 mil habitantes, onde os drusos possuem grande relevância militar e política. Os israelenses drusos são apenas 2% da população, mas têm destaque nas IDF, inclusive possuindo seus próprios regimentos e suas próprias unidades, com representação política no Knesset e alto prestígio dentro do governo.
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Após conflitos no sul da Síria, perto de Suwayda, o exército sírio entrou na região para supostamente restabelecer a ordem social, mas a ação resultou em execuções e torturas de dezenas de drusos por parte de muçulmanos sunitas. A onda de violência elevou as tensões perto da fronteira com Israel, que, devido à sua doutrina militar e à sua relação com os drusos, decidiu intervir bombardeando instalações do exército sírio em Damasco. Benjamin Netanyahu afirmou que os drusos dentro e fora de Israel podem contar com a proteção da IDF, declarando que violência contra o grupo religioso não será tolerada por Telavive. Ahmed al-Sharaa optou por não responder aos ataques e ordenou a retirada de seus homens das áreas drusas no sul do país.
Apesar de tudo, aparentemente, se resolveu por hora, o padrão de violência sectária perpetrada pelos muçulmanos sunitas na Síria acende o alerta de toda a comunidade internacional. Por questões econômicas e mero jogo geopolítico, os Estados Unidos prontamente reconheceram o novo governo após a queda de Assad, mas ao legitimarem um grupo de índole fundamentalista, colocaram em risco milhões de sírios que são considerados “infiéis” pela nova cúpula governista. O aval cegamente dado a al-Sharaa, apenas por ser contrário a Assad, tornou automaticamente um grupo radical e paramilitar, o exército de um país de quase 20 milhões de pessoas, e que utiliza o poder em suas mãos atualmente para implementar uma guerra sectária em um território religiosamente plural há milênios. A perspectiva de uma nova guerra entre vizinhos no Oriente Médio é baixa, mas a esperança para a democracia e a tolerância religiosa na Síria é quase inexistente.
Fonte por: Jovem Pan
Autor(a):
Apaixonada por cinema, música e literatura, Júlia Mendes é formada em Jornalismo pela Universidade Federal de São Paulo. Com uma década de experiência, ela já entrevistou artistas de renome e cobriu grandes festivais internacionais. Quando não está escrevendo, Júlia é vista em mostras de cinema ou explorando novas bandas independentes.