A TV 3.0 responde a interesses privados e descarta sugestões que visam a democratização

Em 2003, o presidente Lula, em seu primeiro mandato, anunciava seu desejo de que os brasileiros assistissem à Copa do Mundo de 2006 em transmissão digital pela televisão aberta. Contudo, essa promessa não se realizou, pois a definição do padrão para as transmissões digitais somente ocorreu em 2006.

A nova tecnologia apresentava interatividade, mobilidade, multiprogramação e até a criação de novos canais “cidadãos”, além da previsão de incorporar tecnologias desenvolvidas no Brasil ao sistema japonês selecionado.

Vinte anos depois, a situação permanece distinta: o sinal digital não alcançou toda a população. Em várias cidades, o sistema continua analógico. A interatividade prevista com serviços governamentais não foi implementada, o middleware Ginga foi descontinuado e os canais da cidadania, educação e cultura permaneceram apenas em formato impresso.

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Naquela época, o Intervozes já alertava para a oportunidade perdida de democratizar as comunicações com a mudança no sistema de TV brasileiro. O sonho de um sistema mais plural ficava ainda mais distante. Atualmente, o governo Lula volta a prometer uma alta definição para o brasileiro assistir à Copa de 2026, com a implantação da “TV 3.0”. Mais uma vez, contudo, os interesses dos radiodifusores privados saíram vitoriosos.

O modelo mais recente, defendido pelo setor, é baseado na tecnologia americana ATSC 3.0. Diferentemente do período da TV digital, o governo não buscou desenvolver aplicações nacionais. E, ainda pior: no momento em que o Brasil é alvo do governo de Donald Trump, o país se coloca em mais uma dependência tecnológica dos Estados Unidos, que, a qualquer momento, podem retaliar o país inclusive nessa área.

A TV 3.0 surge para resgatar a televisão aberta. Sua principal expectativa não reside na democratização do acesso, mas na publicidade. As emissoras, que já perderam a predominância do mercado publicitário para a internet, buscam na possibilidade de criar anúncios segmentados, direcionar conteúdo personalizado e obter grandes volumes de dados dos telespectadores – tudo para tentar competir no competitivo cenário da atenção. O desafio é que isso depende de conexões de internet de alta velocidade, algo que ainda não é uma realidade para grande parte da população.

Para concretizar essa transformação, Lula persiste em atender aos interesses do setor de radiodifusão, buscando que o BNDES destine novos financiamentos de até 11 bilhões de reais às emissoras privadas para a transição para o modelo 3.0. Isso resultará na venda de novos equipamentos de televisão, impulsionando o consumo.

Enquanto isso, as emissoras públicas permanecem negligenciadas. A EBC, por exemplo, enfrenta uma década de cortes. Em 2024, os investimentos federais somaram apenas 25 milhões de reais, contra 96 milhões de reais em 2011 (valores ajustados pela inflação). Sem recursos, não é possível que essas emissoras alcancem a população. Ainda mais grave é a situação das TVs comunitárias. Essas emissoras esperavam atingir toda a população por meio do canal da cidadania prometido na TV digital, mas foram excluídas de todo o processo.

O presidente Lula persiste em não considerar a necessidade de políticas de radiodifusão que promovam a democratização do setor. Novamente, a prioridade do governo parece ser atender aos interesses do lobby dos grandes conglomerados de mídia brasileiros.

Fonte por: Carta Capital