A paleta de cores da bandeira americana é utilizada no figurino da cantora na nova turnê, embora alguns fãs considerem o posicionamento político como co…
Beyoncé alcança o ápice global, em meio a um sucesso notável de turnê em apoio ao seu álbum country Cowboy Carter.
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A obra, frequentemente vista como uma apropriação de suas origens no country, Cowboy Carter, lançada no ano passado, investiga os limites dos gêneros musicais e ressalta a contribuição contínua de artistas negros para a música country.
Ao anunciar o álbum, Beyoncé revelou que ele surgiu de uma experiência em que se sentiu indesejada, referindo-se provávelmente aos comentários racistas que surgiram após sua apresentação nos Country Music Awards em 2016, quando alguns fãs do gênero alegaram que ela não deveria ter participado do evento.
O álbum e a turnê que o acompanhou, com término previsto para este mês, representam uma reação direta aos críticos. O universo visual construído por Beyoncé, tanto no disco quanto nos palcos, evidencia os múltiplos papéis que pessoas negras desempenharam ao longo da história dos Estados Unidos. Se o sistema se recusa a reconhecê-las, Beyoncé parece decidida a ocupar o seu lugar – fato evidente na grande quantidade de fãs negros que, em cada apresentação, usam botas e chapéus country como forma de pertencimento.
Para uma artista de tal importância como Beyoncé, enfatizar essas histórias pode ser algo significativo. Contudo, a reação dos fãs tem sido mais complexa.
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Muitos apreciam os aspectos visuais que destacam a negritude no country e na história americana, enquanto outros esperam que ela faça declarações mais diretas sobre questões políticas atuais – como o apoio dos Estados Unidos à guerra em Gaza ou as políticas de deportação agressivas. Para esses críticos, sua mensagem não se estende o suficiente.
É fato que Beyoncé já foi alvo de críticas extremamente injustas provenientes de diversos setores. Ela não foi reconhecida como deveria por sua arte, afirmou Stacy Lee Kong, crítica cultural e fundadora da newsletter Friday Things. “No entanto, também percebemos certa superficialidade em sua postura política.”
Antes do lançamento do álbum da Cowboy Carter, em abril, a arte e as letras já ressaltavam o papel dos negros na música country. Os shows complementam essas mensagens, com referências adicionais à história negra e a símbolos patrióticos tradicionais.
Ela interpreta o hino nacional norte-americano, “The Star-Spangled Banner”, na versão distorcida e característica de Jimi Hendrix em Woodstock; no palco, aparece a frase: “Nunca peça permissão para algo que já é seu por direito”. Beyoncé adota as cores da bandeira — vermelho, branco e azul — como visto no collant azul adornado com estrelas prateadas e no imenso casaco com a bandeira dos EUA que ela utilizou em seu show de 4 de Julho em Washington, DC.
Muitos fãs se sentem empoderados pela releitura de Beyoncé sobre o imaginário americano, contudo, outros consideram a simbologia superficial. Mesmo entre seus admiradores mais leais, existe insatisfação: “Acho que o problema está no silêncio dela diante das injustiças atuais que ocorrem sob essa mesma bandeira, enquanto ela se envolve nela o tempo todo”, comentou uma fã no X (antigo Twitter).
Para uma artista cujo trabalho costuma ser minuciosamente pesquisado e repleto de camadas, a ausência de posicionamento direto sobre a política americana de Beyoncé parece problemática, avalia Lee Kong. Celebrar o fato de ser americana e, ao mesmo tempo, exaltar a contribuição dos negros na história dos EUA, sem reconhecer os danos causados pelo próprio país, soa simplista no contexto político atual. Apesar da mensagem artística ampla, muitos esperam mais.
“Não é possível vender uma ideia e ser ambígua sobre ela”, afirma Kong. “É uma linha muito difícil de se equilibrar, e tem ficado mais difícil conforme o público se torna mais sofisticado e atento às complexidades políticas que moldam nossas vidas.”
A complexidade se manifestou no episódio da camiseta dos Buffalo Soldiers vestida por Beyoncé em sua apresentação em Paris. A peça branca apresentava a imagem dos soldados negros que serviram no Exército dos EUA após a Guerra Civil e participaram da expansão para o Oeste — frequentemente em campanhas contra indígenas, que os chamaram de “Buffalo Soldiers”.
Na parte de trás da camiseta, estava escrito um texto que dizia: “Seus inimigos eram os adversários da paz, da ordem e do assentamento: índios em guerra, bandidos, ladrões de gado, pistoleiros assassinos, contrabandistas, invasores de terras e revolucionários mexicanos.”
A mensagem provocou grande discussão. Alguns manifestaram elogios à homenagem aos soldados negros, ao mesmo tempo em que outros criticaram o desenho negativo de indígenas e mexicanos, argumentando que o texto os apresentava como adversários dos Estados Unidos. Beyoncé não se manifestou sobre a controvérsia.
Beyoncé não é a primeira vez que é criticada por sua posição política — ou pela falta dela. Em sua apresentação no Super Bowl de 2016, Beyoncé e suas dançarinas vestiram trajes pretos e ergueram os punhos, em referência clara ao movimento das Panteras Negras. Em 2020, ela se manifestou a favor do movimento Black Lives Matter durante um discurso de formatura.
Em 2023, com a exibição do filme da turnê Renaissance em Israel durante a guerra em Gaza – e vídeos mostraram israelenses pró-IDF cantando “Break My Soul” –, críticos argumentaram que a artista, que havia sido capaz de transmitir mensagens políticas claras em 2016, deveria também se manifestar naquele momento.
Ela criou um espaço e se tornou uma figura política, se alguém assim o deseja, afirmou B.A. Parker, coapresentadora do podcast Code Switch, da NPR.
Será que artistas têm obrigação de declarar publicamente suas posições? Os fãs de Taylor Swift passaram anos tentando decifrar os sinais políticos sutis da cantora, que só recentemente começou a se manifestar mais abertamente. No Super Bowl deste ano, Kendrick Lamar pareceu rejeitar essa expectativa de vez, proclamando: “A revolução vai ser televisionada. Você escolheu a hora certa, mas a pessoa errada.”
“Ela é uma das mulheres mais poderosas da indústria do entretenimento”, afirma Melvin Williams, professor da Universidade Pace, que estuda raça, gênero e sexualidade na cultura das celebridades. “Esperar que ela seja especialista em tudo, defenda todas as causas, se apresente impecavelmente – isso é um padrão impossível para qualquer ser humano.”
Beyoncé apoiou a candidatura de Kamala Harris no ano passado e, durante a turnê, incorporou referências políticas mais discretas. A versão do hino executada por Hendrix – durante a Guerra do Vietnã – é amplamente interpretada como uma forma de protesto, embora o guitarrista nunca tenha confirmado essa intenção. Em uma das imagens do livro de turnê Cowboy Carter, Beyoncé aparece costurando a bandeira dos EUA em uma máquina de costura, em homenagem a Grace Wisher, jovem negra que auxiliou na confecção da bandeira original. Seu vestido branco, com véu – possível alusão à metáfora de W.E.B. Du Bois sobre a segregação racial – está salpicado de sangue.
A obra Cowboy Carter representou um risco, segundo Williams, tanto em relação à sua proposta criativa quanto às questões abordadas sobre gênero e raça. Beyoncé demonstra habilidade em gerar reflexões sociais, porém raramente concede entrevistas, utilizando-se quase que exclusivamente de sua arte como forma de comunicação. Para muitos, sua mensagem está presente, e as pressões por mais sejam um reflexo das expectativas desproporcionais impostas às mulheres negras.
Apesar da pressão, é improvável que ela venha a enfrentar de forma explícita, por exemplo, o histórico imperialista dos Estados Unidos ou a persistência do capitalismo no país, afirma Williams.
Conforme Lee Kong, a produção de Beyoncé propicia uma reflexão mais crítica sobre o mundo que nos cerca. Com o álbum e a turnê, essas discussões já estão em curso, independentemente da participação direta da artista.
Beyoncé presta homenagem a pioneira do country após vitória no Grammy.
Fonte por: CNN Brasil
Autor(a):
Com formação em Jornalismo e especialização em Saúde Pública, Lara Campos é a voz por trás de matérias que descomplicam temas médicos e promovem o bem-estar. Ela colabora com especialistas para garantir informações confiáveis e práticas para os leitores.