A seleção do Sudão mobiliza o país em sua jornada por uma Copa inédita
Nação africana busca oportunidade histórica, superando dificuldades.

Há mais de dois anos, o Sudão enfrenta uma guerra civil intensa que fragmentou cidades, famílias e a identidade nacional. O conflito entre o Exército sudanês e o grupo paramilitar RSF já ceifou a vida de dezenas de milhares de pessoas e obrigou ao deslocamento de mais de 13 milhões de pessoas, segundo estimativas de organizações humanitárias.
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A situação de cadáveres descartados nas ruas de Cartum, instituições de saúde em colapso e fome generalizada elevou o país à condição de uma das maiores crises humanitárias globais, segundo a ONU.
Contudo, em meio à destruição, uma força improvável começa a unir o país: a seleção nacional de futebol. A equipe, conhecida como os Falcões de Jediane, está invicta nas Eliminatórias Africanas para a Copa do Mundo de 2026 e disputa ponto a ponto uma vaga direta com potências como Senegal — atual campeão da Copa Africana de Nações.
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Com quatro jogos restantes na fase classificatória, o Sudaã£o está a um ponto da liderança do Grupo B e pode assegurar sua primeira participação na história em uma Copa do Mundo, que acontecerá nos Estados Unidos, Canadá e México.
O futebol em tempos de conflito.
O futebol sudanês ficou quase totalmente interrompido desde o início do conflito, em abril de 2023. Os clubes principais do país – Al-Hilal e Al-Merrikh –, que são essenciais na formação da seleção, firmaram um acordo com a federação da Mauritânia para realizarem sua liga nacional durante a guerra, assegurando assim a continuidade do treinamento de seus jogadores.
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Essa ação tem sido fundamental para assegurar o rendimento do time, visto que mais de 70% dos atletas chamados provêm desses dois clubes, conforme declarado pelo diretor de desenvolvimento da Federação Sudanesa de Futebol, Mazin Abusin.
A escolha do time se transformou em um símbolo de esperança. Talvez seja a única força que une o país neste momento, afirmou Abusin à CNN Sports. “Quando o time entra em campo, durante 90 minutos, o Exército e o RSF deixam suas diferenças de lado.”
Bengazí, o lar distante.
Devido a questões de segurança, a seleção sudanesa disputa seus jogos em Benghazi, na Líbia, onde reside uma significativa comunidade de refugiados sudaneses. A cidade mediterrânea se tornou um dos destinos primários para aqueles que buscam escapar da guerra e também um cenário simbólico para essa improvável trajetória em direção à Copa.
O jornalista especializado em futebol africano Alasdair Howorth declarou que o apoio nas arquibancadas tem sido notável. “Considerando a magnitude da diáspora sudanesa, notadamente na Líbia, essa seleção é vista por muitos como o ‘time da África’”, afirmou.
O apoio se estendeu além das fronteiras. No ano anterior, em um ato de rara solidariedade, a seleção do Sudão do Sul, historicamente rival, entoou o hino nacional do Sudão ao lado dos oponentes antes de um amistoso. No último confronto entre as duas equipes, o resultado de 1 a 1 manteve os Falcões invictos na campanha.
Da liderança.
O recente sucesso do Sudão se torna ainda mais notável, visto que, há apenas três anos, o país concluiu a campanha das Eliminatórias para a Copa de 2022 sem obter nenhuma vitória.
O momento decisivo ocorreu com o técnico James Appiah, que investiu no potencial da diáspora sudanesa. Dentre os principais nomes, destacam-se os irmãos Mohamed e Abo Eisa, que desenvolveram suas trajetórias nas divisões de base do futebol inglês, após terem crescido em Londres.
Mohamed Eisa lidera a artilharia do time nas fases eliminatórias, e Mohamed Abdelrahman, o veterano e capitão do Al-Hilal, figura no terceiro lugar no ranking histórico de marcadores da seleção.
A classificação do Sudão representará a maior conquista da história das Eliminatórias. Sem dúvida alguma, afirmou Howorth. Eles enfrentaram adversários de altíssimo nível, como Senegal e República Democrática do Congo. Nada foi fácil.
Um vislumbre de esperança em meio à desordem.
Apesar do entusiasmo, muitos torcedores ainda enfrentam dificuldades em acreditar que a seleção manterá o desempenho até o final. Abusabce concorda: “É possível que quem observa externamente acredite que sofreremos um revés, mas no grupo há uma esperança. Chegar até aqui, sob estas circunstâncias, é uma demonstração do quanto os jogadores se comprometeram.”
A ausência de poder treinar em casa pode estar sendo vantajosa para o grupo. Ao treinarem em instalações modernas na Arábia Saudita, os Falcões estão afastados da pressão da mídia e da torcida local – um efeito colateral, segundo Abusin, que auxilia na manutenção do foco.
Ele considerava uma situação ambígua. É evidente que preferiríamos jogar em casa, mas também possuímos chances que raramente teríamos fora.
Escapando do conflito.
Assim como milhões de compatriotas, muitos jogadores e membros da comissão técnica também precisaram fugir do país. O próprio Abusin recorda o momento em que soube da eclosão do conflito.
Na noite anterior à guerra, eu participava de um campeonato de futebol do Ramadã com amigos. Havíamos nos qualificado para a final, que ocorreria no dia seguinte. Contudo, ao despertar no sábado, a situação havia se transformado: o país estava em guerra.
A decisão daquele campeonato sequer foi tomada após dois anos.
Ainda assim, Abusin acredita que o futebol pode ser o vínculo necessário para um cessar-fogo entre as partes em conflito. “Se conseguimos nos unir em busca de uma classificação para a Copa, por que não podemos fazer o mesmo pela paz?”
O que está em jogo.
Com poucos jogos restantes nas Eliminatórias, o Sampaio está à beira de protagonizar um dos capítulos mais marcantes da história do futebol internacional.
“Não conheço nenhum país que tenha se classificado para a Copa enfrentando as condições que o Sudão enfrenta hoje – deslocamento em massa, fome, guerra civil”, disse Howorth.
Uma nova oportunidade já representaria um marco histórico. Contudo, para um povo assolado por dor e perdas, seria um símbolo significativo de recuperação.
“Se conseguirmos, ficará para a história”, conclui Abusin. “A dor não será apagada, mas talvez seja o primeiro passo para reconstruirmos o Sudão.”
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Fonte por: CNN Brasil
Autor(a):
Gabriel Furtado
Gabriel é economista e jornalista, trazendo análises claras sobre mercados financeiros, empreendedorismo e políticas econômicas. Sua habilidade de prever tendências e explicar dados complexos o torna referência para quem busca entender o mundo dos negócios.