A disputa entre o governo e o Congresso Nacional se intensificou, com o Palácio do Planalto buscando impor vetos presidenciais em

A noite paulistana, tradicional espaço de manifestações políticas e culturais, mergulhou no debate que, na última semana, engajou diversos setores da sociedade brasileira. Uma série de ações de conscientização, promovidas por organizações não governamentais em bares, shows e restaurantes – e que atingiu o ápice com a exibição de frases como “Veta Tudo, Lula” e “PL da Devastação, Não” em fachadas de prédios no Centro de São Paulo – buscou apoio popular para o veto integral ao Projeto de Lei 2.159/21, que altera as regras do licenciamento ambiental no Brasil.

Após a aprovação definitiva em julho, após o intenso debate entre a Câmara e o Senado, que, segundo críticos, apenas agravou o texto, o Projeto de Lei de Licenciamento – como foi denominado em Brasília – é considerado por ambientalistas um “crime histórico” que desconsidera quatro décadas de construção da política ambiental brasileira. Contudo, sua aprovação integral é defendida por setores da indústria, do agronegócio e do próprio governo federal. Em meio às pressões, Lula tem até sexta-feira 8 para anunciar sua decisão, e escalou os ministros Rui Costa (Casa Civil), Marina Silva (Meio Ambiente), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Marcio Macedo (Secretaria-Geral da Presidência) para elaborar uma análise técnica sobre o projeto aprovado. Segundo apurou CartaCapital, o parecer já está, desde o início da semana, nas mãos do presidente.

Os dias que precederam a decisão de Lula foram marcados por grande movimentação. Além de Rui Costa, outros apoiadores da manutenção do PL do Licenciamento no governo incluem os ministros Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Renan Filho (Transportes). O argumento dessa vertente é que a nova lei auxiliará no desbloqueio de obras de infraestrutura e no impulso da agenda de “entregas” do governo para a população. Entre os que solicitam o veto, ainda que parcial, estão Marina Silva e Gleisi Hoffmann, apoiados pelos setores mais à esquerda da administração.

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No próprio governo, existe uma profunda divisão em relação ao tema.

Marina afirma que existem “vetos inevitáveis” e que “o governo trabalha para que o licenciamento ambiental seja preservado”. A ministra diz que a análise técnica teve o cuidado de apresentar alternativas a todos os vetos propostos. “Não basta vetar, é preciso ter algo para colocar no lugar. É preciso reparar aquilo que porventura seja mudado, com as alternativas que a lei faculta, seja através de Projeto de Lei, seja via Medida Provisória”, explica. As propostas passaram pelo crivo da Casa Civil. “Levamos as melhores alternativas ao presidente para que ele possa fazer suas escolhas. Com certeza, essas serão compatíveis com o compromisso ambiental do governo”.

Fora do governo, a disputa em torno dos vetos também é grande. Lideradas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), 90 organizações empresariais ligadas aos setores de indústria, agronegócio e energia enviaram ao Lula uma carta na qual pedem a sanção integral do PL. “O atual sistema de licenciamento ambiental é marcado por insegurança burocrática, jurídica e sobreposição de exigências, o que compromete a qualidade das análises e desestimula o investimento produtivo”, afirma o documento, também assinado por entidades como o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprasoja) e a Associação Brasileira de Energia Fotovoltaica (Absolar), entre outras.

As duas maiores redes de ONGs ambientalistas do Brasil lançaram documentos que solicitam o veto total ao que denominam PL da Devastação. Uma nota técnica encaminhada a Lula pelo Observatório do Clima aponta “retrocessos graves” em 42 dos 66 artigos do projeto aprovado pelo Congresso. “Em vez de estabelecer um marco legal sólido, com uma lei geral capaz de direcionar a forma como se realiza o licenciamento ambiental em todo o País, o texto aprovado cria um cenário de caos regulatório que fragiliza a análise de riscos e de impactos ambientais, a participação pública e o controle ambiental”, afirma o documento.

O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS) declara que o projeto de lei representa “o sepultamento de quase meio século de construção da legislação ambiental brasileira”. A organização afirma que a nova lei, na forma como foi aprovada pelos parlamentares, “permitirá a volta de um modelo de desenvolvimento econômico que elevará a ocorrência de tragédias como a de Brumadinho, as enchentes no Sul e no Sudeste, as secas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e a degradação dos biomas nacionais, trazendo mais desastres, poluição e morte”. Em outra nota técnica, o Instituto Socioambiental (ISA) indica que o PL da Devastação coloca em risco imediato 259 Terras Indígenas e 1,5 mil territórios quilombolas do país, que estão vulneráveis a 75 grandes obras previstas no PAC.

A coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, explica que a luta dos ambientalistas é pelo veto total: “Quando se excluem os artigos com problemas por inconstitucionalidade ou colisão com o interesse público, sobra pouca coisa do texto aprovado no Congresso. Não é nem suficiente para constituir a lei. Em outras palavras, os problemas do texto aprovado pelo Congresso não serão solucionados com vetos pontuais. Estamos diante do maior retrocesso desde a institucionalização da Política Nacional de Meio Ambiente de 1981”. Se a lei for sancionada sem vetos, diz Araújo, gerará descontrole ambiental, degradação e insegurança jurídica. “Em vez de celeridade nos processos, o resultado será paralisia causada por judicialização, seja da lei em si, diretamente no Supremo, seja também de muitos empreendimentos aprovados segundo as novas regras”.

Não houve falta de fundamentação para que Lula tomasse ou não qualquer decisão em relação ao PL do Licenciamento. Além disso, em nota enviada ao presidente, o Ministério Público Federal recomendou o veto a 30 artigos do projeto aprovado na Câmara e no Senado. Segundo o documento, a nova lei “promove um desmonte generalizado do sistema de licenciamento e representa um injustificado retrocesso que compromete o núcleo essencial do direito ao meio ambiente”. O MPF aponta também que a lei significa uma violação ao Acordo de Paris e à Convenção 169 da OIT, entre outros acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. “Isso cria um alto risco de responsabilização do País perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos e outras cortes internacionais.”

A aprovação enfraquece a avaliação dos impactos e riscos ambientais.

O envio de documentos a Lula indica quais vetos são esperados do presidente. No caso do Ministério do Meio Ambiente, os três pontos que geram maior preocupação são a permissão para que estados e municípios adotem normas locais de licenciamento, a implementação da Licença Ambiental Única (LAU), que substitui as atuais três fases do licenciamento por uma só, e a adoção do modelo de licença autodeclaratória, que concede ao próprio produtor a prerrogativa de declarar se está ou não cumprindo todas as normas ambientais.

A Frente Parlamentar Ambientalista lançou um documento solicitando três vetos essenciais ao Executivo. Um deles trata do artigo que concede licença por autodeclaração, e os demais se referem aos artigos que excluem os povos tradicionais das discussões sobre licenciamento e que propõem a revogação da lei de proteção à Mata Atlântica. O presidente do colegiado, o deputado federal Nilto Tatto (PT), declara que mantém diálogo permanente com o governo para que, pelo menos, esses vetos mais críticos sejam confirmados. “Sabemos que o presidente Lula tem compromisso com a agenda ambiental e entendemos as dificuldades típicas de um governo de coalizão. Mas temos a expectativa de veto dos pontos que consideramos mais perigosos e inconstitucionais.”

O diálogo com o Congresso não será fácil e espera-se que os vetos de Lula, se ocorrerem, possam ser derrubados. Nesse cenário, a possibilidade de veto integral ao PL do Licenciamento é remota, até porque o placar não tem sido nada favorável para Lula nesse quesito: de um total de 13 vetos integrais apresentados ao Congresso, três foram aceitos, cinco derrubados e cinco ainda não foram apreciados. O governo aposta no diálogo. “Há como ajustar o projeto para que se evite o desmonte do licenciamento. O MMA nunca esteve fechado a um aprimoramento legal”, diz João Paulo Capobianco, secretário-executivo da pasta.

Suely Araújo acredita que o Congresso tentará derrubar tanto um veto integral quanto os parciais. “Nessa situação, cabe à sociedade fazer muito barulho para mostrar sua insatisfação aos parlamentares e ajudar na judicialização contra a lei aprovada, se for mantido esse texto absurdo. Há diferentes grupos articulando essa judicialização.” Para Tatto, ainda é cedo para cravar o que ocorrerá. “A conjuntura é bastante dinâmica. Vamos batalhar pelos vetos e estamos dispostos a dialogar com todas as forças políticas do Congresso para construir posições alinhadas aos compromissos do Brasil com a preservação ambiental e o combate à crise climática.”

Uma das questões centrais na negociação com o Congresso refere-se à chamada Licença Ambiental Especial (LAE), mecanismo introduzido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União Brasil, para que o governo possa executar grandes obras e projetos estratégicos sem depender das aprovações dos órgãos ambientais. Político com base eleitoral no Amapá, Alcolumbre criou esse instrumento sob medida para que avance o projeto de exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial, empreendimento que beneficiará consideravelmente a economia amapaense. “Ceder na questão da LAE pode ser a chave para que o governo consiga vetar e manter os vetos sobre os pontos mais danosos do PL”, diz uma fonte do Planalto.

Publicado na edição nº 1374 da CartaCapital, em 13 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A batalha dos vetos”.

Fonte por: Carta Capital