As celebrações fora do comum evidenciam fantasias, preocupações e uma possível dificuldade em confrontar o cotidiano.
Na série animada Gravity Falls, os habitantes de uma cidade pequena comemoram o “Summerween”, um Halloween no auge do verão, com abóboras de óculos escuros e fantasias adequadas ao calor. A data, inventada, extrapolou a tela e ganhou seguidores no mundo real. Qual o motivo da criação de novas celebrações ou da reinvenção de festas já existentes? E o que ocorre quando alguém se recusa a participar dessas manifestações e sofre exclusão ou julgamento?
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A solução pode estar menos no calendário e mais no estado emocional do grupo. O aumento das festas temáticas fora de época – como Natal em julho, Carnaval particular ou mini Copas em anos ímpares – pode ser interpretado como uma forma de escapismo temático: uma tentativa simbólica de renovar o dia a dia, evitar o tédio e aliviar angústias. Construímos rituais lúdicos não apenas para nos distrair, mas também para escapar de reflexões desconfortáveis sobre nós mesmos, nossas decisões e o papel que desempenhamos no mundo. Questionar ou desviar desse fluxo, em muitos contextos, tornou-se um tabu.
Brincar não é só coisa de criança. O lúdico é parte importante da saúde mental: organiza emoções, fortalece vínculos sociais e alivia o estresse. No entanto, há um limite entre usar a fantasia como expressão saudável e transformá-la em fuga constante. Quando a vida vira uma sequência de eventos temáticos, existe o risco de o escapismo se tornar uma evasão emocional crônica – um modo de evitar o contato com sentimentos reais, muitas vezes dolorosos, mas necessários.
A busca por experiências “instagramáveis” suscita uma questão fundamental: estamos realmente presentes ou apenas representando instantes para obter validação externa? O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han descreve nossa época como uma “sociedade do esgotamento”, na qual a positividade tóxica substitui o silêncio, a escuta e a introspecção. Nesse cenário, o escapismo temático atua como uma válvula de escape emocional – por vezes útil, por vezes sintomática. Fingimos que é uma celebração, mas o que buscamos é apenas uma pausa da realidade.
Essa dinâmica aponta para um traço contemporâneo: a intolerância gera frustração. Em vez de lidar com o incômodo, buscamos anestesiá-lo. A festa, o figurino e a performance substituem o enfrentamento e a elaboração. Contudo, adiar o contato com a dor pode cronificar o sofrimento, impedindo o amadurecimento emocional. A fantasia se torna zona de conforto – acolhedora, mas também limitadora. E como toda zona de conforto, nela não se cresce. Apenas se adia.
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<h2 id="Entre-o-ritual-e-a-efetividade”>Entre o ritual e a efetividade.
Não implica que celebrações inventivas devam ser descartadas. Pelo contrário: elas podem ser instrumentos eficazes de cuidado e ligação, sobretudo quando incluem afeto, sinceridade e compartilhamento. O desafio surge quando o costume substitui o genuíno e a ilusão se torna o único espaço acessível.
Comemorar um Halloween fora de época pode parecer apenas uma brincadeira. No entanto, sem nos darmos conta, talvez estejamos solicitando uma pausa. E nessa solicitação discreta, o que está em jogo não é a celebração — mas a maneira como enfrentamos as dores, os vazios e as responsabilidades inerentes ao desenvolvimento.
As psicólogas clínicas Márcia Lenci Viscomi (CRP-06/17014), com pós-graduação em psicodrama, psicanálise e neuropsicologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein / Divisão de Ensino e Pesquisa, e Chiara Lenci Viscomi (CRP-06/160095), com pós-graduação em terapia familiar e de casais e autora do livro “Vamos Investigar as Emoções”.
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Fonte por: CNN Brasil
Autor(a):
Lucas Almeida é o alívio cômico do jornal, transformando o cotidiano em crônicas hilárias e cheias de ironia. Com uma vasta experiência em stand-up comedy e redação humorística, ele garante boas risadas em meio às notícias.