O período abrange a gestão Bolsonaro e corresponde a um total de 50% das ocorrências documentadas em quase 4 décadas.
A violência contra os povos indígenas no Brasil alcançou um nível preocupante nos últimos anos. De 2019 a 2023, foram contabilizadas 2.501 ocorrências envolvendo comunidades indígenas, correspondendo a mais de metade de todos os conflitos desse tipo monitorados pela Comissão Pastoral da Terra desde 1985.
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Os dados são referentes ao Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro, estudo inédito lançado na segunda-feira (21), que analisa quase quatro décadas de violações nos territórios rurais e tradicionais do país.
Ao longo do período de 1985 a 2023, a CPT registrou 4.559 incidentes envolvendo povos indígenas. A pesquisa, realizada em colaboração com universidades públicas, revela que a violência se acentuou em todas as regiões do Brasil nos últimos cinco anos do estudo, com maior frequência na Amazônia Legal. O período analisado abrange os quatro anos do governo Jair Bolsonaro, momento em que a região concentrou 50% dos casos envolvendo indígenas, seguido pelo Centro-Sul (37%) e o Nordeste (13%).
A grande maioria desses conflitos se baseia na terra, com 92% dos casos relacionados a disputas territoriais e apenas 8% a questões hídricas, principalmente envolvendo garimpeiros e mineradoras. Os dados evidenciam um padrão constante de invasões, remoções, degradação ambiental e ameaças, que impactam diretamente a sobrevivência física e cultural dos povos originários.
A maior incidência ocorre nas áreas onde o agronegócio, a mineração e as grandes obras de infraestrutura avançam sobre territórios preservados por comunidades tradicionais. Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão entre os estados com maior número de casos. Este último se destaca pelo histórico de violência contra os povos Guarani e Kaiowá.
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Fazendeiros, o Estado brasileiro e empresários são os principais agentes de violência identificados na pesquisa, responsáveis por 59% dos casos. Mineradoras, grileiros e grupos armados também aparecem como autores das violações, que se manifestam de diversas formas.
A CPT documentou ocorrências de homicídio, tentativa de homicídio, cárcere privado, contaminação por mercúrio e agrotóxicos, estupro, sequestro, tortura, impedimento de ir e vir, humilhação e desnutrição decorrente da destruição dos modos de vida tradicionais.
De 2004 a 2023, registraram-se 135 assassinatos de indígenas relacionados a conflitos por terras, com 71 deles na Amazônia. No entanto, essa estatística não representa a totalidade das mortes, pois muitos óbitos ocorrem de maneira indireta, como no caso da Terra Indígena Yanomami, onde a atuação de garimpeiros causou contaminação, propagação de doenças e a interrupção do acesso à saúde.
Apesar de serem dos mais atingidos pelos conflitos rurais, os povos indígenas também são atores centrais nas lutas por justiça e território. As ações de retomada de terras, conduzidas em situações de grande fragilidade e perigo, têm aumentado em quantidade e notoriedade. De 2004 a 2011, elas corresponderam a 9,2% das ocupações documentadas no país. Entre 2019 e 2023, esse índice elevou-se para 29,8%.
O Atlas evidencia, entre as experiências marcantes de retomada, a atuação dos Tupinambá, na Bahia. “Somos nós que demarcamos nossa terra. Somos nós que dizemos por onde ela passa e como ela vai valer”, declarou o cacique Babau, em citação recuperada pelo relatório.
A pesquisa também aponta o fortalecimento da articulação entre os povos indígenas e outros movimentos populares do campo e da cidade, como uma resposta ao agravamento dos conflitos e à omissão histórica do Estado brasileiro. “As ações de retomada constituem um elemento essencial na luta pelos direitos territoriais garantidos na Constituição de 1988”, aponta outro trecho do documento.
Apesar de corresponder a apenas 0,83% da população brasileira, conforme o Censo de 2022, os povos indígenas continuam na luta por seus direitos ancestrais.
O Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro ressalta a necessidade de ações concretas frente ao aumento das violações: “Esses dados refletem a urgência de uma política efetiva e contínua de proteção aos povos indígenas e seus territórios, assegurando não somente a sobrevivência deles, mas a diversidade cultural e a proteção ambiental do país.”
Fonte por: Brasil de Fato
Autor(a):
Ana Carolina é engenheira de software e jornalista especializada em tecnologia. Ela traduz conceitos complexos em conteúdos acessíveis e instigantes. Ana também cobre tendências em startups, inteligência artificial e segurança cibernética, unindo seu amor pela escrita e pelo mundo digital.